No Coração da Terra

Paralelo 19   ©  Rita de Cássia de Almeida Pereira Cunha, 2012

 

Resumo

 

É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei n.º 9610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

 

Capa e projeto gráfico

 

Jackson Santana Souza

 

Foto da capa

 

Luiz Otavio Pereira da Cunha

 

Diagramação

 

Jackson Santana Souza

 

Revisão

 

Maria Cleonice Leme Sanches

 

Cunha, Rita de Cássia de Almeida Pereira. No Coração da Terra – Paralelo 19/Rita de Cássia de Almeida Pereira Cunha. – São Paulo: Editora Nelpa, 2012. 226 p. ISBN: 978-85-8020-199-4

Copyright © 2012, Nelpa – L. Dower Edições Júridicas Ltda.
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A estória acontece na região do Pantanal, em Mato Grosso do Sul, e retrata o amor entre um ser extra-terrestre e uma farmacêutica que produz medicamentos derivados de plantas nativas do próprio Pantanal.

A missão do ser era de levar as fórmulas e as ervas medicinais para o seu planeta.

Devido ao envolvimento dos dois, a missão dele fica comprometida e o Conselho do seu planeta envia um ancião para ajudá-lo a cumprir o acordo.

Devido às dificuldades e à densificação desse ser na Terra, um ser mais evoluído aparece para, finalmente, despertar e relembrar aos dois amantes as suas missões com o cosmos e, principalmente, do papel do amor infinito e verdadeiro na transmutação dos dois planetas.

 

Nota da autora

 

Este livro foi escrito no ano de 1996.

Na época ele representava, em forma de romance, um resumo da minha busca por Deus em várias religiões e em
vários livros.

Ele ficou guardado e esquecido até o ano de 2010 quando, após a aposentadoria, resolvi atualizá-lo e editá-lo.

Enquanto estava nesse processo conheci a luz e o meu verdadeiro caminho para Deus.

No paralelo 19 encontrei e tive experiências com o que para mim sempre existiu e não havia sido revelado.

Depois desta revelação, reescrevi o livro introduzindo o meu aprendizado com esses seres, mais especificamente com BILU.

 

Agradecimento

 

Agradeço sempre e primeiro a Deus por me permitir viver essa experiência na Terra.

Agradeço aos meus pais e à minha irmã que sempre acreditaram e me incentivaram a escrever desde a adolescência.

Agradeço à minha tia que sempre chamou minha atenção para as constelações e para a existência de seres extraterrestres.

Agradeço ao meu cunhado que me apresentou o mundo astral, quando ainda estava perdida em minha busca.

Agradeço ao meu marido e aos meus filhos por estarem comigo me apoiando no meu despertar.

Agradeço à minha amiga, que chamo de “luz”, por ter me guiado pacientemente e insistentemente neste Universo, fazendo com que eu descobrisse a minha origem através do mergulho em meu interior, me mostrando sempre o tamanho do amor infinito.

Tenho certeza que sem esse sentimento que pulsa no meu plexo cardíaco não teria encontrado o estado de graça em que navego hoje.

Agradeço à minha amiga de infância e ao seu marido por estarem sempre dispostos a ouvir e a aceitar a minha mudança. E, principalmente, por terem me acolhido em Corumbá. Aqui encontrei a luz e o caminho que estou seguindo.

Agradeço à minha psicóloga por estar sempre me apoiando nas decisões que pareciam absurdas, mas que sabíamos que fazia muito sentido.

Agradeço às amigas dimensionais que encontrei no paralelo 19 e que me acolheram e me apoiram na confecção deste livro, principalmente a carioca que, como um anjo, se pôs ao meu lado me guiando nesses primeiros passos da edição de um livro.

Por fim agradeço aos responsáveis pelo paralelo 19 que conseguiram abrir o caminho entre a Terra e as dimensões superiores.

E de todo coração, agradeço ao BILU, este ser iluminado que pôs a sua existência à disposição de todos, aconselhando, explicando, orientando e amando.

 

“Busquem conhecimento”

 

Introdução

 

Estamos no século vinte e um.

A esperança de vivermos em um mundo melhor nos aproxima cada vez mais das religiões.
Cada ser faz a sua procura quase desesperada por Deus.

Porém, testemunhamos um mundo mais violento a cada dia.

As guerras continuam sendo uma constante e a miséria um retrato triste com que nos deparamos a todo instante.

Por não vermos como obter uma solução rápida e por nos sentirmos impotentes diante de toda essa situação é que cada ser vem tentando melhorar a si mesmo para que assim consiga melhorar o todo.

Deus não está distante dos homens.

Temos que acreditar que somos parte dele e que vivemos nele.

Se acreditarmos que somos divinos, certamente teremos atitudes mais dignas para nos considerarmos filhos de Deus.

RC LIRA

 

Capítulo 1

 

Noite estrelada no Pantanal.

Época de poucas chuvas. Lua clara.

Noite de música e cantoria de viola.

Após a reunião de costume, junto da sua família e dos empregados, Maria Isabel entrou no casarão e subiu para o seu quarto.

Como já era tarde, as pessoas também se cansaram de beber e cantar e cada um foi para a sua casa.

Seu Ambrósio, dono da Fazenda e sua esposa Madalena, também entraram no casarão, subiram para o quarto e logo dormiram.

O dia na Fazenda começava antes do nascer do sol e à noitinha o corpo já reclamava e pedia por uma cama macia
e tranquila.

João Victor, filho da Maria Isabel, acompanhava todos os passos do avô e também se sentia cansado. Mas antes de se deitar foi até o quarto da mãe.

Ele entrou e a viu sentada na janela olhando a noite.

– Mãe!

Ela olhou para o filho que se aproximava e sorriu.

– Você está sem sono?

– Não. Estou com sono. Só vim te dar um beijo.

O rapaz abraçou a mãe e olhou a escuridão.

– O que você está olhando nessa noite escura?

Ela olhou para o céu.

– Eu olho as estrelas. Desde menina eu olho as estrelas.

Eu tenho um sonho com as Três Marias que se repete. Eu sempre acordo e não lembro direito. Também olho a lua. A imensidão. O infinito. Tudo isso me fascina!

Ele continuou:

– Pensei que você estivesse rezando.

Ela sorriu.

– Eu rezo também. Mas passo mais tempo admirando esse mundo em que nós vivemos. Admirando o Universo.

Encontrando a perfeição do Criador em cada detalhe das suas criaturas.

– E o que você pede a Deus?

Ela engoliu a saliva e baixou os olhos.

– Eu peço tantas coisas…

Ela respirou profundamente e continuou:

– Peço por você. Pelo seu pai. Imagino que ele deva estar em algum lugar desse Universo pensando em nós dois.

– Faz tanto tempo que ele morreu…

– É. Faz dez anos. Mas eu sempre penso nele. Sempre.

E você?

– Penso de vez em quando. Eu só tinha oito anos. E o meu avô é o meu pai agora, não é?

– É verdade! O seu avô te adora. Mas, o que você pede a Deus quando reza?

Ele sorriu também.

– Eu peço pra ter forças pra ajudar o meu avô com esta Fazenda. E ter saúde pra cuidar de você.

Ela abraçou o filho.

– Sei. Daqui a alguns dias você vai estar apaixonado por uma moça. Vai se casar e fazer outros pedidos a Deus.

– Ah! Vai demorar! Só vou me casar quando eu tiver uns trinta anos!

Ela riu de novo.

– Está bem. Vamos ver!

– Tá bom. Até amanhã.

Ela beijou o rapaz e ele saiu. Ela fechou a janela, apagou a luz e se deitou.

No dia seguinte…

Eram cinco horas da manhã e todos já estavam reunidos à mesa do café.

Seu Ambrósio falava alto.

– João Victor, hoje nós temos muito trabalho no pasto!

É dia de vacinar a boiada. Nós vamos supervisionar tudo isso junto com o veterinário.

– Tá certo, vô.

Dona Madalena interferiu:

– Acho bom vocês se alimentarem direito.

– Eu também terei que ir com vocês?

– Se você quiser! Mas por que perguntou?

– É que prefiro ficar mexendo com as minhas fórmulas.

Hoje vem gente buscar os chás.

– Tá bom! Faça como achar melhor! Essas plantas, essas químicas que o teu marido te ensinou a fazer te afastaram da Fazenda! Se não fosse o meu neto eu estaria cuidando de tudo sozinho!

Ela sorriu e olhou pra mãe.

– Que exagero, pai! E bem que o senhor gosta dos meus chás. Sempre que sente qualquer coisa aparece lá no laboratório pra me pedir uns matinhos, não é?

Ele não respondeu e Dona Madalena continuou:

– Esses chás são bons. Até o Dr. Antônio recomenda!

– Tá bom! Tá bom! Vocês venceram! Que seja como

vocês quiserem!

Ele chegou perto do neto e segredou:

– Aprenda uma coisa, meu filho. Não se discute com uma mulher. Muito menos com duas.

Os dois riram, terminaram o café com pressa e foram para o pasto.

Maria Isabel foi para o laboratório que havia sido montado pelo marido, onde eles transformavam as plantas em pós e chás que tratavam algumas doenças com eficiência.

O laboratório ficava um pouco afastado da casa principal. Maria Isabel também saía pela mata à procura de folhas e raízes novas a fim de estudar os seus efeitos e quando encontrava, replantava perto do laboratório pra que facilitasse o seu trabalho.

Ela conheceu o marido quando foi cursar a Faculdade de Farmácia em São Paulo. Ele tinha terminado a Faculdade de Medicina e trabalhava como pesquisador de vacinas na Universidade Federal.

Quando ela engravidou, eles se mudaram para a Fazenda e ele transferiu o seu trabalho para lá.

Seu Ambrósio não queria um genro cientista e sim um administrador. Um fazendeiro. Até um veterinário seria melhor. Mas um médico cientista! Querendo encontrar a cura para doenças raras sem tratamento efetivo?! Na cabeça de Seu Ambrósio, o genro era um lunático! O governo lhe dava dinheiro para uma pesquisa inútil!

Ele não conseguia esconder a decepção que sentia. E só melhorou após o nascimento do neto.

Quando João Victor começou a andar sozinho, o avô o levava para todos os lugares e o menino acordava cedo para acompanhá-lo na sua rotina.

Fausto e Maria Isabel conseguiram desenvolver um bom trabalho, porém muito aquém dos sonhos dele.

Os remédios eram eficazes e baratos e não despertavam interesse de nenhum laboratório ou da comunidade científica.

Os laboratórios preferiam investir em medicamentos paliativos de uso crônico que não curavam com rapidez nenhuma patologia grave.

Fausto se desiludiu e passou a trabalhar sozinho sem a ajuda dos laboratórios. Vivia apenas com o dinheiro do incentivo à pesquisa enviado pela Universidade.

Todo o resultado e reconhecimento que recebia, vinham da população e dos poucos médicos que trabalhavam nas cidades próximas à Fazenda.

Após a morte acidental de Fausto em um desastre de avião, Maria Isabel passou a desenvolver os seus projetos e continuou com o laboratório.

 

Capítulo 2

 

Os dias se passaram.

Durante a manhã, Maria Isabel fazia as suas fórmulas, arquivava os dados no computador e no livro de Fausto, colocava os pós e chás em vidros e caixas, catalogava e esperava pelos pedidos.

Muitas pessoas apareciam por lá à procura dos medicamentos e uma vez por mês ela ia até a cidade levar as encomendas dos médicos que acreditavam nos seus efeitos.

Dona Madalena levava a sua vida de dona de casa tranquilamente. Ela contava com a ajuda de uma empregada antiga, Dona Olívia que cozinhava muito bem.

Seu Ambrósio e João Victor acompanhavam Maria Isabel quando ela ia à cidade. Eles negociavam o boi, investiam o dinheiro, faziam os pagamentos e compravam o que era preciso para a vida na Fazenda.

Durante os finais de semana eles tomavam banho de rio, caminhavam, cavalgavam e se divertiam com o lazer que tinham dentro da sua propriedade. À noite se reuniam com os empregados para ouvir música, cantar e dançar.

Em algumas ocasiões eles contavam estórias fantásticas de visões e aparições que impressionavam os ouvintes.

Alguns peões mais velhos falavam de uma voz de criança que de vez em quando aparecia no meio da mata chamando por eles.

Seu Ambrósio era descrente e ria com tudo isso. Dona Madalena rezava para afastar os maus espíritos. Maria Isabel também não se impressionava, mas gostava e João Victor tentava ser como o avô.

Quando não havia festa, todos se recolhiam antes das nove horas da noite.

Era um final de domingo.

Antes de se recolher Maria Isabel se sentou na janela para olhar as estrelas e nessa noite, ela observou que três estrelas brilhavam com cores que se repetiam. No primeiro instante não deu muita importância, mas quando foi fechar as janelas percebeu que a repetição era constante e obedecia a uma certa lógica.

Ela pegou uma folha de papel em branco e desenhou o que via. Eram três estrelas que brilhavam e piscavam no mesmo ritmo. A primeira era verde, a segunda era verde também e a terceira, vermelha.

Ela coloriu o papel, se deitou sem fechar as janelas e não conseguiu dormir. De hora em hora levantava e olhava o céu e via a mesma coisa. Ela anotou a data e o pisca-pisca das estrelas até o amanhecer.

No dia seguinte ela desceu para o café às cinco da manhã, como era de costume.

Todos estavam conversando quando Seu José, o administrador, entrou correndo na sala.

– Seu Ambrósio! Seu Ambrósio! Encontraram um homem morto e sem roupa lá na beira do rio!

Ele se levantou e foi ver o que realmente tinha acontecido.

João Victor acompanhou o avô.

Maria Isabel e Dona Madalena se olharam.

– Eles se matam e depois ficam assim apavorados.

– Pode ter sido uma onça, Dona Isabel!

Comentou Dona Olívia enquanto tirava a mesa.

– Mas Seu José falou que o sujeito está sem roupa. Onça não tira a roupa de ninguém.

Dona Madalena completou:

– Essa estória está muito mal contada.

Maria Isabel se levantou e a mãe falou:

– Acho melhor você não ir até lá não, minha filha.

– Eu sei mãe. Mas se o tal homem não estiver morto?

– Iiii. Tô até sentindo um arrepio.

Logo João Victor entrou.

– Mãe! O vô tá pedindo pra você levar os seus remédios!

O homem tá vivo!

Ela correu até o laboratório, pegou o material que precisava e seguiu o filho.

Logo que eles chegaram, as pessoas se afastaram. Ela viu o sujeito caído na beira do rio.

Maria Isabel ajoelhou, segurou a cabeça dele no seu colo e colocou um pó nas suas narinas. O desconhecido espirrou e abriu os olhos. Houve um sussurro de espanto dos curiosos e ela comentou:

– Ele está bem. Já acordou.

Seu Ambrósio se ajoelhou ao lado da filha e tentou falar com o sujeito.

– Como é o seu nome?!

O homem olhou pra ele, mas não respondeu.

Maria Isabel tentou de maneira menos arrogante.

– A gente tá querendo te ajudar. Você se lembra do seu nome?

Ele respondeu:

– Não sei!

– Você sabe como veio parar aqui?

– Não sei.

Seu Ambrósio se levantou e mandou que todos voltassem para o trabalho. Depois falou com a filha.

– Pode ir você também. A gente vai cuidar dele. Parece que está esquecido. Talvez tenha se afogado!

Ela se levantou e apoiou a cabeça dele em um morrinho de areia.

Seu Ambrósio continuou:

– José, vista o homem e depois o leve pra sua casa. Veja se ele se lembra de alguma coisa e tente dar algo pra ele comer e beber.

– Sim, senhor!

– Vamos ver se ele pode nos servir pra algum trabalho.

Ele é forte!

– Pode deixar, Seu Ambrósio!

O patriarca continuou:

– João Victor, leve a sua mãe pra casa.

– Nós já estamos indo, vô.

Eles saíram caminhando e o rapaz perguntou:

– O que tem nesse pó?

– É uma raiz forte. Costuma levantar quem está desmaiado por causa do cheiro que é muito ativo.

– Sei. Você achou que aquele homem está doente?

– Não sei. Ele parece não entender o que a gente diz. Me pareceu ser estrangeiro.

– Será?!

– Pode ser. Papai tem razão em achar que ele se afogou.

O susto pode ter afetado a sua memória. Quem sabe!

– E por que está sem roupas?

– Alguém pode ter roubado tudo dele e o empurrado no rio.

– Aqui, mãe?! O povo não é disso.

– É verdade! Mas a gente ainda não sabe de onde ele veio.

– É. Mas meu avô vai saber o que fazer com ele.

– Seu avô sempre sabe o que fazer.

Eles entraram em casa. Dona Madalena estava aflita.

– E então?!

– O homem está vivo e não foi atacado por uma onça pintada, ouviu Dona Olívia?

– Graças a Deus! Ouviram as minhas preces.

– E o seu pai?

– Ficou lá com o Seu José cuidando do coitado.

– E o rapaz? Como ele é?

Maria Isabel se sentou. Sabia que a mãe iria querer saber de tudo.

– Parece estrangeiro.

– Como assim?

– Ele não entende direito o que a gente fala. Fica olhando com olhar perdido.

– Hum. E o tipo dele?

– Ah! Mãe!

– Ué! Eu quero saber se é moço, velho…

– Não sei bem… Mas tem boa aparência. Deve ter um quarenta e poucos anos. A barba estava bem feita e os dentes perfeitos.

João Victor comentou:

– Você notou tudo isso, mãe?

– Notei.

Ele saiu emburrado e Dona Madalena comentou:

– Esse menino nunca vai te dar sossego. Ficou com ciúmes de um indigente.

– Não liga não, mãe. É a adolescência!

Dona Madalena continuou com o interrogatório.

– Quer dizer que o rapaz é bonito?

Maria Isabel sorriu.

– Bem bonito!

Dona Madalena se levantou.

– Então, João Victor tem razão.

– É. Mas pare de tentar bancar o cupido porque ele não me interessou em nada. Eu não tenho pensado em ter ninguém.

– Mas deveria pensar. Já faz dez anos que você enviuvou.

– Está bem, mãe! Eu vou trabalhar que é o melhor que eu faço. O bonitão vai ficar na casa do Seu José e da Dona Olívia. Aí, vocês duas vão poder tricotar à vontade.

Maria Isabel saiu e Dona Madalena e Dona Olívia ficaram tricotando.

 

Capítulo 3

 

O dia passou.

O homem misterioso conseguiu se comunicar com o Seu José. Mas não se lembrava de nada. Nem do nome, nem de como teria ido parar na Fazenda sem roupas e sem documentos.

A casa do Seu José e da Dona Olívia era pequena, mas possuía dois quartos. A cozinha era o cômodo principal, onde as pessoas se reuniam para fazer as refeições e conversar.

Seu José tentava se comunicar com o náufrago.

– Bem. Já que você não se lembra do seu nome, nós

vamos ter que te dar um. Eu vou te chamar de Aparício. Tá bom?

O homem prestava atenção tentando entendê-lo, mas não respondeu. Ele continuou:

– Pois é, Aparício. Eu sou empregado do Seu Ambrósio.

Seu Ambrósio é aquele senhor mais velho que me mandou te trazer pra minha casa. Se lembra?

O outro só olhava. Ele prosseguiu:

– Então! Aqui é uma Fazenda de gado. Eu sou o administrador. Se você quiser ficar por aqui, vai ter que trabalhar!

Hoje você vai descansar. Ninguém sabe o que aconteceu, mas amanhã a gente já começa cedo na lida!

Aparício continuava prestando atenção sem responder.

– Você está com fome? Quer comer?

Dessa vez ele balançou a cabeça dizendo que sim.

– Ah! Falou em comer, você entendeu! Eu vou fazer um café com leite e um pão com manteiga pra você.

Seu José preparou tudo e serviu na mesa para ele. Aparício bebeu devagar e comeu todo o pão.

– Muito bem. Agora venha comigo!

Ele se levantou e seguiu o mais velho. Seu José lhe mostrou o quarto onde ele iria ficar e o banheiro da casa. Depois lhe deu duas mudas de roupa, uma bota e um chinelo.

– Fique à vontade!

Aparício se mostrou agradecido e se deitou após a saída do dono da casa.

Ele acabou dormindo. Estava muito cansado.

Dona Olívia foi até a sua casa para ver como o seu marido estava se saindo. Quando entrou encontrou o estrangeiro dormindo. Seu José já tinha voltado ao trabalho e tudo parecia em ordem.

Ela também voltou para o trabalho e o dia passou.

À noite, Aparício acordou e foi muito bem tratado por

Dona Olívia. Os três acabaram se entendendo, mesmo com poucas palavras.

Seu José estava tranquilo. Percebeu que o sujeito era de paz.

Na casa do Seu Ambrósio o assunto era o mesmo durante o jantar.

– Sabe, José me falou que o rapaz quase não fala. Mas parece entender algumas coisas. Disse também que ele parece ter boa índole e acabou batizando o pobre coitado de Aparício!

Todos riram.

– Seu José é muito engraçado! Poderia ter sido Aparecido.

Eles riram de novo. Dona Madalena comentou:

– E quanto à saúde dele?

– Ah! Madalena, o homem é moço! É forte!

– A gente não sabe, pai. É melhor chamar o Dr. Antônio. Vai que ele tem alguma doença contagiosa…

Seu Ambrósio olhou para a filha.

– Tá bom! Vocês podem ter razão. Amanhã cedo eu vou mandar buscar o médico. Mas, eu já avisei ao José que ele vai ter que começar a trabalhar amanhã bem cedo, como todos os outros!

– Está certo!

Dona Olívia apareceu pra retirar os pratos e comentou:

– O rapaz não é de comer muito.

– Deve estar enjoado. Se ele naufragou, então é que não vai ter vontade de comer mesmo!

– Quando ele começar a trabalhar vai ter fome!

– É mesmo, Seu Ambrósio. Com licença!

Ela saiu.

Eles ficaram conversando sobre o novato da Fazenda, assistiram um pouco de televisão e depois cada um foi para o seu quarto.

Maria Isabel voltou a admirar a noite da sua janela.

Observou que as luzes das estrelas ainda piscavam. Só que desta vez as três estrelas estavam piscando em verde.

Ela anotou a sequência no mesmo papel onde havia anotado a sequência anterior e foi para a cama.

Durante o sono, sonhou com o seu marido Fausto. No sonho ele lhe mostrava umas plantas diferentes e dizia o quanto o trabalho deles era importante.

Ela acordou com saudades dele. Eles se entendiam muito bem e tiveram os mesmos ideais. Mas a vida os separou repentinamente.

Maria Isabel se aprontou, desceu para o café da manhã e encontrou sua família à mesa.

– Bom dia!

– Bom dia!

Eles falavam sobre Aparício.

– Já mandei João Victor buscar o Dr. Antônio.

– Hum! Bom!

Ela comia com prazer e comentou com a Dona Olívia.

– O seu pãozinho, hoje, está uma delícia!

Ela sorriu e comentou:

– O moço lá também gostou do meu pãozinho.

– E ele já está falando mais?

– Um pouco! Sabe… Ontem à noite, ele ficou horas do lado de fora olhando pro céu. José até pensou que ele fosse fugir!

– É estranho!

– Vai ver estava tentando se lembrar do que aconteceu.

– É mesmo! Com o tempo ele vai se lembrar. Então a gente vai saber como ele veio parar aqui.

Seu Ambrósio cortou a conversa.

– Vamos trabalhar, minha filha!

Os dois se levantaram e saíram. Dona Madalena continuou conversando com Dona Olívia.

– O tal sujeito é bonito mesmo?

Elas tiravam a mesa e levavam para a cozinha enquanto falavam.

– É. Parece um artista! Os olhos dele são de um verde brilhante! Diferente! E a pele é morena como a de um índio!

Dona Madalena parecia não acreditar.

– Que coisa! Então ele não parece um peão?

– Não mesmo!

– Será que ele está perdido mesmo ou está fingindo?

– Não sei! Não parece fingido… Ele quase não fala.

Fica pensando… Acho que ele não entende direito o que a gente fala.

– É. Maria Isabel disse que teve a impressão de que é estrangeiro.

– Até pode ser, viu Dona Madalena?

Elas ficaram matracando na cozinha até ouvirem o barulho do avião.

– Escuta! É o Dr. Antônio chegando.

– Já vou passar um café fresquinho pra ele!

– Eu vou até a varanda pra recebê-lo.

Logo o avião pousou. João Victor e Dr. Antônio foram caminhando até a casa onde Dona Madalena já esperava na porta.

– Bom dia!

– Bom dia, Dr. Antônio! O senhor é sempre bem-vindo!

O médico abraçou Dona Madalena.

– Eu gosto muito de vir até aqui! Principalmente quando todos estão com saúde!

Ela sorriu.

– Entre pra tomar um cafezinho!

Eles entraram. João Victor os acompanhou até a sala e saiu.

– Eu vou buscar o moço e já volto, vó!

– Não quer comer alguma coisa antes?

– Depois eu como!

João Victor saiu e Seu Ambrósio entrou em casa com Maria Isabel.

– E então, Doutor? Fez boa viagem?!

– Fiz. O seu neto é um ótimo piloto!

Ele se dirigiu a Maria Isabel.

– Bom dia! Que bom vê-la com esse sorriso!

Ela cumprimentou o médico com dois beijos.

– Bom dia!

Ele prosseguiu.

– Já que estou aqui, vou aproveitar pra levar alguns remédios. Será que você pode separar os de sempre, pra mim?

– Claro! Já estão separados. Eu vou buscar.

Ela saiu e Dona Olívia serviu o café.

João Victor chegou à casa do Seu José e Aparício já esperava por ele.

– Bom dia!

– Bom dia!

Respondeu o mais velho.

– Eu vim te buscar. O médico vai te examinar. Seu José lhe falou, não é?

– Falou.

– Então, vamos!

Eles foram andando.

A casa era próxima do casarão.

João Victor tagarelava.

– O Doutor Antônio é um médico antigo aqui da região. Ele é quem cuida de todos nós!

– Sei.

– Bom, como você apareceu assim daquela maneira estranha, minha mãe e o meu avô acharam melhor ele vir e te examinar.

– Sua mãe?!

– É. Minha mãe! Ela que te acordou. Te deu uma coisa pra cheirar. Lembra?

– Ah! Sim. A erva…

– Pois é. A gente precisa saber se você está bem de saúde. Entende?

– Entendo.

– Você vai ficar aqui na Fazenda trabalhando conosco?

– É.

– Você se lembra do lugar onde nasceu?

– Não me lembro.

– Que coisa?!

Eles chegaram e entraram na sala. Seu Ambrósio fez as apresentações.

– Bem, doutor, esse é o homem!

Disse ele batendo forte nas costas do recém – chegado, com o seu jeito bruto e alegre de ser.

Dona Madalena cumprimentou Aparício.

– Bom dia! Como se sente?

– Bom.

Respondeu ele esboçando um sorriso.

Dr. Antônio também o cumprimentou e o levou para o escritório para fazer o exame clínico. Seu Ambrósio os acompanhou.

Ele tentou conversar, mas Aparício não sabia de nada.

Mal falava. O exame clínico pareceu normal. Ele colheu amostra de sangue e o novato entregou as amostras de urina e fezes que Seu José havia recomendado que ele colhesse pela manhã.

Dr. Antônio concluiu:

– Parece que você está bem de saúde. Vamos aguardar os resultados dos exames pra que eu possa afirmar com certeza que está tudo bem!

– Obrigado, doutor.

Ele apertou a mão do médico e se vestiu. Logo em seguida os três saíram do escritório e foram para a sala.

Maria Isabel entrou com a caixa de remédios.

– E então, Dr. Antônio. Como ele está?

– Tudo indica que está bem.

João Victor pegou a caixa das mãos dela e colocou sobre a mesa.

Aparício se dirigiu a ela.

– Obrigado por tudo!

Ela sorriu.

– Por nada! Nós fazemos o possível pra cuidar bem das pessoas. Principalmente as que trabalham aqui na Fazenda.

Seu Ambrósio interrompeu:

– Pode ir, Aparício! Seu José vai te encontrar e te mostrar o seu novo trabalho.

– Sim. Com licença.

Ele saiu e ela se dirigiu ao Dr. Antônio.

– Trouxe a sua encomenda.

– Obrigado!

Eles se sentaram e ele perguntou.

– Como esse rapaz veio parar aqui?

– João Victor não lhe falou?

– Falou, mas achei muito estranho.

– Ele diz que não se lembra de nada!

– Pois é. Mas ele não possui nenhuma lesão no corpo ou na cabeça que indicasse algum trauma. Não tem nenhuma cicatriz.

Não possui sinais de afogamento, ou ferimento.

Nada traumático que justificasse esse esquecimento. A não ser um trauma psicológico. Não sei. Uma perda…

Na verdade ele parece ter mais saúde que todos nós!

Seu Ambrósio interferiu.

– Se ele não está esquecido, está escondendo a sua identidade.

– É uma hipótese! Mas porque ele faria isso?

– Isso é o que nós teremos que descobrir. Vamos tratá-lo bem, mas com cuidado. Com o tempo saberemos.

– Ele não parece perigoso, ou bandido!

– Talvez seja um fugitivo!

– É, João Victor. Pode ser!

Dona Madalena interferiu:

– Um fugitivo de barba feita?! Cabelos bem cortados?!

Unhas limpas…

Doutor Antônio riu.

– Ele já chegou assim?

– Já.

Respondeu Maria Isabel.

– É. Vocês têm razão! É melhor investigar.

– Eu vou fazer isso hoje mesmo! Vou pedir ao delegado pra procurar alguma identidade dele pelas impressões digitais.

– Bem pensado.

Eles conversaram até que o Dr. Antônio se despediu.

Ele se levantou.

Seu Ambrósio também se levantou.

– Tudo bem, Doutor! Muito obrigado por ter vindo!

Maria Isabel vai levá-lo de volta.

– Ah! Então eu irei em boa companhia outra vez!

Ela sorriu e comentou:

– Meu pai deve estar precisando do João Victor aqui na Fazenda.

Ele abraçou a filha.

– E estou mesmo. Ele é homem!

– Eu sei. Já sei!

Doutor Antônio comentou:

– Então vamos?

– Vamos!

O médico se despediu de todos e eles seguiram até o avião que levantou vôo e em menos de uma hora chegaram à cidadezinha.

Maria Isabel aproveitou pra fazer umas compras e falar com o delegado e só voltou na hora do almoço.

Todos a esperavam.

Eles se sentaram à mesa.

– Falou com o delegado?

– Falei sim, pai.

Eles se serviram.

– E o que ele achou do caso?

– Também achou estranho e pediu pra que eu levasse algum objeto que contenha as digitais dele.

– Tudo bem. Amanhã mesmo o José me trás um copo usado e João Victor leva lá na cidade.

– Tudo bem, vô.

Eles almoçaram, conversaram e foram descansar como era costume. Depois voltaram ao trabalho e ficaram até o pôr do sol.

À noite se reuniram na sala de estar para assistir à televisão, jantaram e conversaram um pouco.

Maria Isabel falou:

– João Victor, as suas provas já começam no próximo mês e eu não estou vendo você estudar nada!

– Pode deixar, mãe. Eu vou fazer as provas, vou passar e vou cursar a faculdade de administração. Não se preocupe.

– Deixa o menino, filha!

– É. Se eu deixar por conta de vocês, ele não vai fazer faculdade nenhuma!

Seu Ambrósio aumentou a voz.

– Eu não sei por que essa insistência?!

– Ambrósio!

Interferiu Dona Madalena. Ele respirou fundo e a filha respondeu:

– Ele precisa ter uma profissão!

O menino interferiu:

– Eu já sou fazendeiro! E você não vai me afastar daqui por quatro anos!

– Quatro anos passam muito depressa. A Fazenda pode esperar, mas a faculdade não vai esperar. A oportunidade é agora!

O clima ficou tenso e Seu Ambrósio resolveu reconsiderar.

– Tá bem! Vamos fazer a sua vontade, Maria Isabel. Eu e a Fazenda podemos esperar. Vá, meu filho. Faça a vontade da sua mãe. É bom você ter estudo! Vai ter um diploma, vai conhecer pessoas novas. Vai aprender a lidar com as pessoas da cidade grande! Saber lidar com os políticos! Estudo nunca é demais!

Ele olhou pra filha. Ela se sentiu aliviada.

João Victor comentou:

– Tá certo. Como o meu avô fala, não se discute com mulher!

– Isso mesmo! Principalmente se esta mulher for a sua mãe!

Ele ficou emburrado.

Eles terminaram o jantar.

Seu Ambrósio e Dona Madalena subiram para o quarto. Maria Isabel foi para a sala de televisão assistir ao jornal.

João Victor foi ficar com ela e dois ficaram conversando e fazendo as pazes.

Na hora de dormir, cada um foi para o seu quarto e ela foi admirar as estrelas. As que piscavam nos dias anteriores já não apareciam mais.

Ela ficou por um tempo olhando o céu e quando ia fechar a janela avistou Aparício sentado na frente da casa do Seu José. Parecia estar concentrado ou rezando.

Ele não a viu. Ela fechou a janela e foi dormir.

 

Capítulo 4

 

Os dias passaram vagarosamente. No ritmo da Fazenda.

Tudo estava bem.

Aparício já estava adaptado ao trabalho, mas continuava falando pouco e sem lembrar a sua origem.

Dona Olívia já gostava dele, mas Seu José ainda estava desconfiado.

João Victor tinha ido para a capital fazer as provas do vestibular.

Durante esses dias, Maria Isabel ajudava o pai no trabalho da Fazenda pela manhã e à tarde saía a cavalo pra procurar novas mudas de plantas a fim de replantá-las em sua horta e estudá-las.

Ela estava colhendo algumas plantas quando Aparício se aproximou.

– Precisa de ajuda?

Ela se assustou.

– Como você veio parar aqui?!

– Não tenha medo.

Ele falava como se pudesse ler os pensamentos dela.

– Você não deveria estar com os outros cuidando da boiada?

– Eu já fiz o meu trabalho. Eu vim até aqui pra falar com você.

Ela não gostou da atitude dele e o repreendeu:

– Você?!

Ele não entendeu.

– Como?

– Preste atenção. Eu não sei quem você é. Mas você sabe que eu sou a filha do Dono desta Fazenda na qual você está trabalhando. Portanto, para você eu sou senhora!

Ele ficou um pouco sem jeito, mas entendeu perfeitamente.

– Desculpe, senhora – É que eu precisava falar só com a senhora. Sem ninguém por perto.

Ela olhou em volta. Não havia ninguém.

– Pode falar.

– É que eu conheço as plantas. Eu gostaria de ajudar.

– Ajudar? Como?

– Eu posso fazer esse serviço que a senhora está fazendo. Eu escolho as plantas, pego e replanto lá perto do laboratório.

– Como você vai saber quais as plantas que eu vou precisar?

– A senhora me ensina.

Ela coçou a cabeça. Olhou pra ele desconfiada.

– O que você quer de verdade?

Ele pensou e respondeu:

– Eu quero aprender sobre as plantas que servem pra fazer remédio. Eu quero aprender a fazer os chás.

Ela franziu a testa.

– Por quê?

Ele andou um pouco.

– Porque eu preciso aprender e conhecer o seu trabalho.

O trabalho que o Doutor fazia.

Ela estava assustadíssima.

– Quem lhe falou do meu trabalho?! Quem lhe falou do Fausto?!

– Todo mundo fala! O povo diz que os seus chás fazem milagres!

E eu não esqueci que foi com um desses pós que a senhora me acordou lá na beira do rio.

Ela o olhou ainda mais desconfiada e continuou a colher as mudas.

– Tudo bem! Se quiser aprender, eu posso te ensinar.

Mas você só poderá me ajudar nos seus horários de folga. E nós teremos que falar com o meu pai e com Seu José.

– Ótimo! Se a senhora quiser eu falo com eles amanhã mesmo! E se a senhora deixar, eu posso começar agora mesmo!

Ele estava tão disposto que ela concedeu.

– Está bem!

Ela começou a explicar as características das plantas que ele estava colhendo.

Depois voltaram a cavalo até a horta e replantaram na localização indicada.

Quando eles terminaram, ela retirou as luvas, passou as mãos nos seus cabelos curtos e comentou:

– Está feito!

– E agora?

– Agora já é tarde. Nós temos que jantar. Amanhã você combina com o meu pai o dia que poderá vir me ajudar. Aí eu vou lhe mostrar o laboratório.

– Obrigado, Dona Maria Isabel.

Disse ele lavando as mãos no tanque da horta.

– Até amanhã!

– Até amanhã! A senhora é uma boa alma.

Ela sorriu e ele se afastou.

Ela pensou preocupada:

“Espero que você também seja uma boa alma”.

Ela entrou em casa preocupada com Aparício. Ele não era burro. Entendia tudo que ela falava. Não parecia ser ruim. Mas escondia o verdadeiro motivo de estar ali. Isso a incomodava profundamente.

Ela tomou banho e desceu para o jantar.

Seus pais já estavam na mesa.

– E então, filha, o José me falou que o Aparício andou fazendo perguntas sobre as plantas!

– Pois é, pai. Ele hoje foi atrás de mim querendo me ajudar. Disse que queria aprender a conhecer as plantas. Queria aprender a fazer os chás… Estranho?!

– Estranho, mesmo. E o que você falou pra ele?

– Falei para ele conversar com o senhor e com o Seu José. Se for permitido, então eu o ensinarei nos horários de folga dele.

– Se saiu bem.

Dona Madalena comentou:

– Esse sujeito não tá se engraçando pra você, não? Hein,

Maria Isabel?

Ela mastigou e respondeu:

– Acho que não! Ele é educado e me pareceu interessado nas plantas mesmo.

– Se é assim, vamos ver se ele se interessa trabalhar no horário de folga!

– Verdade! Pode ser que desista antes mesmo de começar.

– E o delegado?

– Bem lembrado, Madalena!

– O delegado não encontrou nada sobre esse rapaz. Ele não tem nenhuma identificação aqui no Brasil. Nem passaporte. Pra nós. Ele não existe.

– No interior desse Brasil tem tanta gente que não existe.

– É. Mas agora ele vai existir. Eu mandei fazer uma documentação pra ele. Identidade, CPF e carteira de trabalho.

– E os exames?

– Dr. Antônio falou que ele está com a saúde perfeita!

Dona Madalena comentou:

– Muito misterioso…

– Também acho, mãe. Mas me parece ser boa gente.

– Deus te ouça!

Seu Ambrósio mudou de assunto.

– Ah! João Victor ligou!

– E o que ele falou?

– Ele está indo bem nas provas e está morrendo de saudades de todos nós.

Ela sorriu e eles passaram a falar do João Victor.

Depois assistiram às novelas e mais tarde foram dormir.

Maria Isabel foi para a janela. A noite estava nublada.

Não havia estrelas. Ela avistou Aparício sentado e concentrado. Ela fechou a janela, rezou e dormiu.

Na manhã seguinte caiu uma chuva fina. Mas não fez frio.

Como não havia trabalho na Fazenda ela foi para o laboratório logo após o café.

Poucas pessoas apareceram para buscar remédios por causa da chuva.

No final da tarde Aparício foi falar com ela.

– Boa tarde!

Maria Isabel estava sentada no microscópio.

– Boa tarde, Aparício!

– Falei com o seu pai e ele deixou trabalhar com as plantas!

Ele estava eufórico.

– Você parece uma criança!

Ele riu.

– Deve ser porque eu estou contente!

– Eu estou vendo!

– Então, por onde eu começo?!

– Pelo livro.

Ele abriu o livro grande, escrito a mão com desenhos detalhados e coloridos das plantas com os nomes científicos, e com as suas propriedades físicas, químicas e biológicas.

Para cada planta havia o modo de preparação e as doses.

No início a letra e os desenhos eram melhores e ele perguntou:

– Essa letra e os desenhos eram do Doutor?

Ela ficou um pouco emocionada, passou a mão no livro e respondeu:

– Eram do Fausto.

– Faz muito tempo que ele morreu?

– Faz dez anos.

Ele percebeu a tristeza dela.

– Ele estava doente?

– Não. Foi acidente de avião.

– Hum. E…

– Eu prefiro não falar sobre ele agora. Leia com atenção.

Enquanto ele lia. Ela foi até o computador para rever uma fórmula de um remédio que ainda estava sendo desenvolvido.

Ele prestou atenção e perguntou:

– Tudo que está no livro, está aí no computador?

– Está.

– E a senhora tem cópias?

– Não. Só alguns cds.

– Eu posso copiar?

– O livro?

– Não. Os cds.

– E você sabe usar o computador?

– Não. Mas a senhora me ensina.

Maria Isabel estava muito desconfiada e olhou bem nos olhos dele.

– Quem é você?

Ele ficou sem jeito.

– Eu não sei.

– Mas sabe ler, escrever, andar a cavalo, aplicar as vacinas no gado… Parece saber usar o computador…

Ele sorriu sem graça.

– O que mais você sabe?!

Ele se sentiu intimidado e respondeu:

– Sei usar o microscópio. Sei as reações químicas descritas aqui. E sinto que preciso aprender mais sobre tudo isso aqui.

– Qual a sua formação?

– Eu não sei.

– Como você sabe tudo isso?!

– Eu não sei.

– Porque você não quer me dizer?!

Ele se levantou preocupado e viu sobre a bancada o desenho que ela havia feito das estrelas piscando em verde e vermelho. Ele perguntou:

– O que é isso?

– Isso o quê?

– Essas luzes?

Ela viu o desenho.

– Ah! São estrelas que piscavam coloridas de maneira rítmica e inteligente. Mas eu te fiz uma pergunta e você não me respondeu.

– Dona Maria Isabel, eu não me lembro do que me aconteceu. Eu não tenho uma explicação pras coisas que eu sei. Eu não quero fazer nenhum mal à senhora ou às pessoas aqui da Fazenda. Eu também estou tentando lembrar.

Quem sabe fazendo o que eu gosto, fique mais fácil.

Ela respirou fundo e olhou bem pra ele.

– Está bem! Eu vou acreditar.

– Obrigado!

Ele pegou o desenho das estrelas e continuou:

– Como a senhora sabe que são estrelas?

Ela olhou de novo para o desenho.

– Eu não sei. Pareciam estrelas.

– A senhora tem o hábito de olhar o céu?

– Desde menina. Já vi muitas coisas lindas! Mas nunca tinha visto luzes como estas.

– Interessante. O que a senhora procura no céu?

Ela riu.

– Meu filho já me perguntou a mesma coisa. Mas eu não procuro nada em especial. Só fico admirando a beleza do Universo. À noite, as luzes, a lua. Aqui as estrelas ficam bem brilhantes! A escuridão da mata, os sons da noite, a diversidade de luzes e formas, o infinito… Tudo me fascina!

Ele estava sério olhando pra ela.

– Bonito isso! O céu é realmente fascinante!

– Não é só o céu, Aparício. Você já notou na grande diversidade de plantas, flores, animais, cores que existem na
natureza?

– Já. E o que a senhora pensa quando vê tudo isso?

Ela andou um pouco pelo laboratório e pegou o seu desenho da mão dele.

– Eu penso que Deus existe. E que tudo isso deve ter uma razão pra ser. Mas o ser humano ainda não sabe bem pra que serve.

Ele a olhava como se estivesse lendo os seus pensamentos. Ela percebeu e se surpreendeu.

– O que foi Aparício?

– Nada. É que eu estou admirado!

– Com a natureza?

– Não só com a natureza, o céu e a noite. Estou admirado com a senhora.

Ela ficou sem jeito. Houve um silêncio rápido.

– Acho melhor você ir pra casa, levar o livro e começar a estudar.

Ele fechou o livro.

– Tudo bem! Me desculpe! Eu não queria aborrecer a senhora.

– Você não me aborreceu. Mas se o seu objetivo é aprender sobre as plantas, é melhor estudar e se concentrar nisso.

– A senhora está certa. Então, até amanhã!

– Até amanhã!

Ele pegou o livro e saiu.

Maria Isabel ficou pensando nele. Aquele desconhecido que mentia. Era muito mais do que dizia. Sabia muito mais do que demonstrava e provavelmente tinha um objetivo não revelado.

Mas estava se tornando um homem interessante e que a cada dia ocupava mais os seus pensamentos.

 

Capítulo 5

 

Já estava escurecendo.

Aparício entrou em casa. Seu José estava preparando uma sopa quente.

A casa era modesta e a copa funcionava como sala.

Seu José observou que ele carregava um livro.

– Dona Maria Isabel te emprestou este livrão?

– É. Ela me mandou estudar.

– E você entende dessas coisas?

– Estou me esforçando.

Seu José riu.

– Senta aí. Toma essa sopa comigo!

Os dois se sentaram. Seu José colocou os pratos, os copos e os talhares na mesa. Depois pegou o pão e a água.

Como estava frio. Ele serviu uma dose de cachaça.

– Quer?

– O que é isso?

– Cachaça! Nunca tomou?!

– Não me lembro.

– Então toma!

Aparício não podia beber álcool e recusou.

– Não, obrigado!

Seu José comentou:

– Você é mesmo engraçado! Como pode um homem da tua idade, nunca ter tomado cachaça?!

Ele riu sem jeito.

Seu José não insistiu.

Eles começaram a comer e a conversar sobre a Fazenda.

Um pouco mais tarde, Dona Olívia chegou e ficou conversando um pouco com os dois.

Depois o cansaço tomou conta de todos e eles foram dormir.

O tempo estava fresco e caía uma chuva fina.

Aparício ficou meditando em seu quarto e pensando no lugar onde ele havia nascido.

Ele havia sido transportado do planeta Maniniti.

Lá as crianças nasciam de fertilização in vitro e eram geradas em úteros artificiais, onde lhes eram concedidos todos os ingredientes necessários para o seu desenvolvimento.

Após o nascimento elas eram criadas em grupos onde havia adultos e crianças de todas as idades.

Todos se consideravam amigos e desenvolviam um amor fraternal pelas pessoas das suas comunidades e estas com as outras comunidades.

Cada um era responsável por alguma atividade, mas todos faziam de tudo. Desde o trabalho mais simples até o mais intelectualizado.

O lugar era lindo! Muito verde e muito harmonioso!

Não havia perigo. Não havia violência.

As pessoas viviam em média 180 anos e os idosos eram considerados sábios.

As doenças existiam. Mas eram raras e os medicamentos eram eficazes.

A relação com a morte era de paz.

Todos sabiam que morreriam e quando morreriam.

Não havia surpresa.

Eles acreditavam em Deus e no amor. Por isso tentavam desenvolver esse sentimento o máximo possível uns pelos outros, pois acreditavam que quanto mais amassem mais se aproximariam de Deus.

Apesar da alta tecnologia não havia poluição ou motores.

As pessoas se deslocavam a pé para pequenas distâncias e por desintegração para as grandes distâncias.

Essa desintegração ocorria dentro de cabines de transporte onde se digitava o local desejado e confirmava-se.

A matéria corporal era transformada em energia luminosa e essa luz viajava por ondas eletromagnéticas para o local programado.

Esse planeta pertencia a outra galáxia.

Lá não havia guerras, miséria ou dinheiro.

Eles estavam em um estado espiritual mais avançado que o Planeta Terra. Mas ainda tinham muito que evoluir.

Aparício tinha sido transportado para a Terra com a missão de descobrir um medicamento que tratasse e retardasse a morte do Mestre.

Maniniti era governado por um Mestre, Latum189, muito idoso, muito sábio e muito amoroso.

Como todos os habitantes daquele planeta ele sabia o dia da sua morte. Mas como já havia cumprido a sua missão e a sua alma havia adquirido tamanha iluminação, ele iria fazer a passagem antes da data programada. E para que isso fosse possível, ele adquiriu uma doença para a qual ainda não havia tratamento.

Diante do adiantamento da morte do Mestre, os Conselhos do planeta decidiram arquitetar um plano para adiar a morte até o dia programado anteriormente.

Esse plano consistia em mandar alguém em busca do tratamento para tal enfermidade.

Então, Barum47, que era a identificação de Aparício e significava: biólogo, nascido na zona a, comunidade r, região urã, Maniniti há 47 anos, foi escolhido para desempenhar essa missão.

Eles estudaram os planetas e os locais onde mais provavelmente encontrariam as ervas necessárias para a fabricação do medicamento. Com o tratamento a morte do Mestre aconteceria na data que todos já sabiam e não antes. E o novo Mestre também estaria mais bem
preparado para substituí-lo.

Dessa forma, toda a população de Maniniti continuaria a viver em paz, confiando no dia da sua morte, sabendo que não seria antes nem depois.

Barum47 foi o primeiro a ser transportado. Se ele não conseguisse descobrir a erva ou se essa erva não funcionasse, outros habitantes conhecedores das ervas iriam para outros destinos a fim de conseguir alcançar o objetivo maior.

Manter a estabilidade e a confiança no destino do povo.

 

Capítulo 6

 

Os dias se passaram.

João Victor voltou da capital onde tinha ido fazer as provas para a faculdade.

Todos estavam ansiosos pelo seu retorno.

Aparício observava o amor que todos tinham pelo rapaz.

Logo que o avião chegou, Seu Ambrósio correu para abraçar o neto.

– Como você fez falta nesses dias!

O menino sorriu alegre por estar de volta.

Maria Isabel também abraçou o filho e ele a levantou do chão e a rodou em seus braços.

– Filho! Já sei que você é um homem! Agora me bota no chão.

Ele obedeceu e beijou a mãe.

Dona Madalena também se aproximou e acarinhou o neto.

Depois ele brincou com o Seu José e abraçou Dona Olívia.

– Estou com saudades da sua comida!

– O almoço já vai pra mesa!

Eles entraram e enquanto almoçavam conversavam.

Parecia que ele havia viajado por vários meses para muito longe.

À noite teve até festa.

Aparício compareceu e observava a alegria de todos com a música, a comida e a bebida.

Em Maniniti não havia prazer em comer e beber. Eles não comiam carne de nenhuma espécie. Só legumes, verduras, cereais e frutas. E para beber, água ou suco.

A música era suave. Não havia euforia. O sentimento era de extrema paz.

Na Fazenda, as pessoas já estavam acostumadas com o jeito tímido e reservado dele.

Ele comia e bebia pouco. Não dançava e não tomava bebida alcoólica.

Maria Isabel adorava dançar e se divertia dançando com o pai, com o filho e com seu José.

Nesse dia até o padre compareceu à festa e iria pernoitar no casarão.

Dona Olívia sentou – se ao lado do Aparício.

– Você como sempre só olhando.

Ele riu.

– É. Eu gosto de ver como todos ficam alegres!

– A música e a dança fazem a gente ficar assim. A gente se sente leve!

– Sei.

– Você não sabe dançar ou tem vergonha?

Ele ficou sem jeito.

– Eu não sei dançar.

– Se quiser eu ensino!

Ele hesitou. Não podia ter contato físico com os terráqueos. Não podia comer carne, usar álcool ou drogas.

Ela insistiu.

Ele sorriu.

– Obrigado, Dona Olívia, mas eu não tenho jeito pra essas coisas.

Ela entendeu.

– Tudo bem! Você é esquisito mesmo. Não quer de se divertir, não bebe, não fuma, não come quase nada. Vai acabar ficando doente!

Ele a olhou de um jeito carinhoso.

– Eu sei que a senhora se preocupa comigo. Mas eu estou bem.

– Então, ótimo!

Ele continuou observando a festa.

Dona Olívia e Seu José dançavam e sentavam ao lado dele. Até que ela comentou:

– Você está prestando muita atenção na Dona Maria Isabel. E não é de hoje!

Ele riu e respondeu:

– É que ela é diferente.

Dona Olívia retrucou:

– Ela é filha do Seu Ambrósio. Pense nisso antes de fazer qualquer bobagem.

Ele ficou pensando. Não sabia bem o que isso significava, mas estava aprendendo a viver na Terra.

Ali era uma comunidade pequena. Havia um homem poderoso. Esse homem possuía terras e dinheiro. Ele também se achava dono da mulher, da filha e do neto.

Eles formavam uma família. E ele os amava com tamanha intensidade que até seria capaz de matar por eles. Era um sentimento de proteção e posse. Tinha uma mistura de egoísmo e ciúmes.

O amor que ele tinha pelas outras pessoas vibrava diferente. Era pouco.

Ele havia estudado esses sentimentos. Mas nunca tinha visto e nunca tinha entendido. Agora ele podia ver e sentir tudo o que tinha aprendido observando aquelas pessoas.

Ele se lembrou do seu Mestre. Lembrou do seu planeta.

E a cada dia admirava mais Maniniti.

Ele tinha consciência que aquela forma de amor era prejudicial ao crescimento espiritual necessário para os seres de Deus. Aquela forma de amor dividia as pessoas.

Em seu planeta um homem e uma mulher também se sentiam atraídos e possuíam sentimentos de prazer sexual.

Mas não havia relação carnal. Era um amor fraterno.

Não havia fidelidade ou ciúmes. As pessoas se relacionavam com várias outras durante aquela existência.

Aparício sentia esse amor por Maria Isabel. Mas ela estava protegida pelos sentimentos dos pais e do filho. E isso dificultava o entendimento e o desenvolvimento daquele amor entre os dois.

Dona Olívia percebeu que ele estava com o pensamento distante.

– O que foi? Ficou triste?

Ele se surpreendeu.

– Não! Não. Só estava tentando entender.

Ela passou a mão na cabeça dele e falou:

– Se o meu filho tivesse vingado, teria a sua idade.

Ele a olhou ternamente e ela se emocionou.

– A senhora teve um filho?

– Tive. Mas morreu com seis meses de meningite.

– E não teve tratamento?

– Quando a gente descobriu já era tarde.

– E por que a senhora não teve mais filhos?

– Não sei. Nunca mais engravidei. Acho que Deus não me achou merecedora dessa graça!

– Sei.

Ele observava a relação das pessoas com Deus. Era uma relação de admiração, resignação e mágoa.

Tudo que ele havia estudado passava diante dos seus olhos.

Todos os dias ele agradecia ao Conselho por tê-lo enviado para essa missão tão importante! Uma missão que estava lhe proporcionando um grande crescimento cultural e espiritual.

Ele aprendia a cada dia.

Nunca tinha visto animais de grande porte. Nunca tinha visto mulheres grávidas. Ele descobria um mundo novo!

Ele olhou pra Maria Isabel enquanto ela dançava com

João Victor. O rapaz percebeu que Aparício não parava de observar a mãe e comentou:

– Que sujeito estranho!

– Por quê?

– Fica te olhando com cara de apaixonado. Nem tenta disfarçar.

– É o jeito dele. Ele é inocente demais.

– Inocente?! Esse cara?! Porque você tá defendendo ele?

– Por nada! É verdade! Ele não tem maldade.

– Mãe, você está tendo um caso com ele?

– João Victor, olha como você fala comigo!

– Desculpe, mas ele é quase um indigente.

– Atualmente ele é empregado da Fazenda.

– Nosso empregado!

– E daí?!

Eles se calaram por alguns segundos. Mas o rapaz continuou:

– Meu avô me falou que ele está te ajudando no laboratório.

– Está. E está indo muito bem.

– É mãe, já vi tudo! Se você namorar esse cara eu mato

ele!

Ela franziu a testa assustada com o comentário do filho.

A música acabou e João Victor se afastou.

Aparício percebeu de longe pela visualização do campo magnético deles que a discórdia e o ciúme tomaram conta das suas mentes.

Em Maniniti era comum a utilização da terceira visão e da telepatia.

Após algumas horas a festa acabou.

As pessoas foram para as suas casas e a noite passou.

 

Capítulo 7

 

Alguns meses se passaram.

Todos continuavam trabalhando muito na Fazenda.

A primavera estava chegando e os dias eram mais quentes.

A quantidade de pessoas à procura das ervas da Maria Isabel aumentava. Ela e Aparício se preparavam para aumentar a produção.

Eles estavam no laboratório e ele já havia lido todo o livro. Percebeu que as últimas anotações de Fausto não estavam completas.

Ela explicou:

– Essa planta ainda não foi totalmente estudada. Mas meu marido acreditava que ela seria eficaz no tratamento da Distrofia Muscular Progressiva.

Ele arregalou os olhos.

– Essa doença é comum por aqui?

Ela também se surpreendeu.

– Você conhece essa doença?!

Ele ficou sem jeito, mas respondeu:

– Esse nome não é estranho pra mim.

– Pois eu vou te dizer. Talvez você se lembre de alguma coisa.

Ela continuou:

– Essa doença vai destruindo os músculos progressivamente. A pessoa para de andar, de movimentar os braços e por fim para de movimentar o músculo diafragma que ajuda na respiração e se estiver em uma cidade grande, viverá por anos dependendo de um aparelho pra respirar e acabará morrendo de infecção respiratória ou generalizada.

Até agora nada foi descoberto para retardar a evolução dessa doença. Mas Fausto acreditava que poderia ter encontrado a cura. Segundo ele, com essa planta os músculos vão parar de degenerar. Ele ainda não tinha encontrado a dosagem adequada nem tinha conseguido testar.

– Será que eu posso me empenhar em estudá-la melhor?

– Claro! E poderemos testar em animais raquíticos e observar se há aumento da massa muscular, não sei… O difícil será conseguir que um músculo atrofiado que não funciona mais volte a desempenhar as suas funções… Isso seria como fazer renascer uma célula morta! E isso é impossível!

Os olhos de Aparício brilharam. Ele se lembrou das palavras do Mestre.

– “Você saberá quando estiver diante da erva. Nesse momento a sua missão estará cumprida. Logo que encontrar
a planta e tiver estudado as suas propriedades, você estará pronto para retornar a Maniniti”.

E ele lembrava a ordem do Mestre.

– “Tente trazer o maior número de mudas que conseguir e entre em contato conosco assim que isso acontecer”.

“Se você não encontrar nada, aguarde o próximo eclipse e esteja no horário e no local combinado que nós o traremos de volta”.

Aparício amava o seu Mestre e o seu coração se encheu desse sentimento.

Maria Isabel percebeu que o pensamento dele estava muito longe.

– Aparício?! Você está me ouvindo?

Ele a olhou.

– Claro!

– No que você estava pensando?

Ele se surpreendeu com a sensibilidade dela, mas respondeu:

– No bom trabalho que o Dr. Fausto e a senhora desenvolveram aqui e no pouco interesse que as pessoas têm por tudo isso.

Ela sorriu.

– As pessoas pensam em ganhar dinheiro. O gado dá dinheiro. Essas fórmulas não.

– Eles não sabem que a primeira e maior riqueza do ser humano é a capacidade de amar e a segunda é a saúde.

Ela o olhou com atenção.

– Engraçado! Às vezes, eu tenho a impressão de que

você sabe muito mais do que parece.

Ele balançou a cabeça.

– A senhora é muito observadora.

– Faz parte da minha profissão.

– E tem razão. Eu sei mais coisas do que as pessoas imaginam que eu possa saber.

– E quando você vai resolver me contar quem você é?

Ele se levantou, respirou fundo.

– Quando a senhora quiser.

Ela se assustou. Não sabia se estava pronta pra ouvir coisas que não poderia suportar sozinha ali no laboratório com ele. Mas resolveu enfrentar.

– Que tal agora?

– Tudo bem.

Ele parecia tranquilo e disposto a contar a verdade.

Ela estava apreensiva. Tinha feito várias perguntas a ele a fim de saber a sua origem e ele sempre fugia.

Agora ele queria falar e ela estava com medo.

– Vamos começar pelo básico. Qual é o seu nome?

Ele respondeu em seguida.

– Barum47.

Ela riu.

– Você vai brincar ou falar a verdade?

Ele estava sério.

– Eu não estou brincando. Esta é a minha identificação.

Ela se sentou.

– Tudo bem Barum47. De que cidade você é?

Ele andou um pouco pela sala.

– A senhora se lembra do dia em que me encontraram na beira do rio?

– Lembro.

– Naquela noite a senhora viu as estrelas que piscavam em sequência, não foi?

– Vi. E então?

– Aquela sequencia realmente tinha um significado. Ela queria dizer: “Em transporte”. E a outra sequência queria dizer: “Transporte realizado”.

– Aparício, você está tentando me dizer que veio de outro planeta em um disco-voador?!

Ele sorriu com o espanto dela.

– Mais ou menos. A senhora acredita em disco-voador?

Ela franziu a testa.

– Não sei. Nunca vi!

– Mas viu as estrelas!

– Vi e daí?!

Ele começou a falar sem deixar que ela terminasse.

– Dona Maria Isabel. Eu vim de um planeta chamado Maniniti. Esse planeta fica em outra Galáxia. Eu não usei um disco-voador e sim transporte por desintegração da matéria.

Ela deu uma gargalhada.

– Você deve pensar que é muito esperto e que eu sou muito ingênua mesmo! Não é possível que passe pela sua cabeça que eu vou acreditar que você é um extraterrestre!

Ele estava tranquilo e respondeu:

– Mas eu estou falando a verdade!

– Está bem. Eu vou entrar no seu jogo. Então, se é verdade, porque um homem de um planeta com uma tecnologia tão adiantada viria fazer no planeta Terra? Principalmente no meio do Pantanal?! Numa Fazenda de gado?!

– Eu vim justamente procurar as fórmulas que o seu marido e a senhora vêm trabalhando há anos. Pra ser mais específico, eu vim aprender sobre a planta capaz de transformar as células inativas em ativas. Essa que a senhora acabou de me mostrar há pouco.

Ela ficou pálida e teve medo. Ela entendeu que desde o início o objetivo dele era o conhecimento dela.

Ele percebeu e continuou:

– Não tenha medo. Eu não vim pra levá-la ou muito menos pra lhe fazer algum mal.

Ela ficou sem jeito por perceber que de alguma forma ele parecia ler os seus pensamentos.

– E qual é a razão de vocês quererem esta planta?

Ele se sentou outra vez e explicou:

– Nós somos governados por Conselhos. Porém existe um poder central exercido por um sábio ancião que é o nosso Mestre. Esse Mestre está morrendo e nós precisamos adiar a passagem inesperada dele até que o outro escolhido esteja pronto para assumir o seu lugar.

Ela balançou a cabeça. Achava a estória fantástica demais! Aparício não parecia ter alucinações. Nem parecia ser um aproveitador. Desde a sua chegada, o seu interesse pelas plantas foi evidente!

Ela continuou questionando.

– E como vocês descobriram que encontrariam o que procuravam justamente aqui?

– Ah! Foram muitos anos de pesquisas e viagens por vários planetas e muitas Galáxias. Realmente o Universo é infinito.

Ela ouviu e tentou resgatar a sua lucidez.

– Sabe de uma coisa? Você deve ter sido mandado por algum laboratório de uma Multinacional para roubar as minhas fórmulas!

Ele ficou chateado com a desconfiança dela.

– O que eu posso fazer para que a senhora acredite em mim?

Houve um silêncio de quase um minuto que pareceu uma eternidade! Até que ele resolveu falar.

– Dona Maria Isabel. Eu já copiei as fórmulas. Eu já copiei o livro. Eu já encontrei a planta que me mandaram encontrar. Eu poderia simplesmente ir embora. Desaparecer sem explicação, da mesma forma que eu apareci. Porque eu teria necessidade de lhe dar explicações e inventar uma mentira?

Ela ficou irritada.

– Eu não sei!!

Ele entendeu que ela estava confusa. Mas queria muito que ela acreditasse e confiasse nele.

Aparício se concentrou um pouco e falou:

– A senhora e o seu marido desenvolveram um trabalho maravilhoso! Eu tenho muita admiração e consideração pelos dois.

Minha missão está cumprida. Daqui a alguns dias eu já estarei pronto pra voltar a Maniniti. Eu resolvi revelar a minha identidade porque me senti na obrigação de lhe dar a explicação que por tantas vezes a senhora me pediu. Desde que eu cheguei, a senhora logo percebeu que eu não era um peão. Também sabia que eu não era um bandido. Eu nunca consegui lhe enganar. A senhora sabia que eu tinha um segredo. E eu nunca me senti bem em não poder lhe dizer a verdade. Mas agora que eu tive coragem, agora que eu contei, a senhora não acredita. Fica irritada! Eu não entendo!

Ela estava cética.

– O que você esperava? Você é um sujeito que apareceu aqui na beira do rio. Totalmente despido, sem um documento, mal sabendo falar o português e me diz que veio de um planeta que eu nunca ouvi falar! Provavelmente, você deve ter alguma doença mental e sofre de alucinações!

Ela andava de um lado para o outro da sala e parecia não ouvir mais nada do que ele queria dizer.

– Dona Maria Isabel, se a senhora não se acalmar e me ouvir, a gente não vai conseguir conversar.

Ela não parava de andar.

– Eu não quero ouvir você me falar mais nada! Chega de inventar mentiras. Não quer contar a verdade? Então não conte e é melhor você sair desta Fazenda o quanto antes!

Ele se concentrou enquanto ela andava e falava e começou a enviar ondas de amor fraterno. Ela começou a sentir um relaxamento que iniciou no alto da sua cabeça e envolveu todo o seu corpo. Sua respiração foi ficando lenta e ritmada. Ela se sentou e sentiu uma grande emoção. Teve uma enorme vontade de chorar, mas olhou para ele e perguntou:

– O que você está fazendo comigo?

– Estou tentando lhe deixar mais calma.

– Como?

– Estou lhe enviando ondas de fraternidade.

Ela estava incrédula! Mas se sentia diferente e sabia que era por causa dele.

Ele voltou a falar.

– Dona Maria Isabel, eu preciso da sua ajuda. Eu não quero interferir na sua vida, muito menos lhe roubar nada.

Se a senhora não quiser, eu não voltarei mais aqui. Também estou disposto a lhe devolver todas as cópias. Eu posso lhe devolver tudo e voltar sem nada. Posso dizer que fracassei na missão. Eu só não quero voltar deixando – a aqui com essa dúvida. Eu não posso continuar vivendo na sua Fazenda se a senhora não confia em mim. Se a senhora não acreditar em mim…

Ela se levantou.

– Eu preciso pensar.

Ele balançou a cabeça.

– Está bem! A senhora tem razão!Eu já vou! Se quiser voltar a conversar é só me chamar.

Ela não respondeu. Ele saiu. Ela ficou com os seus pensamentos. Com as suas dúvidas e com muitas perguntas.

 

Capítulo 8

 

No jantar, a família estava reunida.

João Victor aguardava o resultado das provas.

Seu Ambrósio falava dos seus negócios e Dona Madalena conversava sobre tudo.

Maria Isabel estava calada e distraída. Mas os outros não deram muita importância.

Eles jantaram, conversaram, assistiram às novelas e depois se recolheram.

João Victor foi até o quarto da mãe.

– Oi, mãe!

– Oi.

– Posso dormir aqui com você?

– Claro! Mas por quê?

– Nada.

Ele abraçou a mãe e lhe deu um beijo na testa.

– Achei você triste no jantar.

Ela sorriu.

– É. Mas não é nada!

– Está preocupada com as minhas provas?

– Também. Mas sei que você vai passar.

– Então o que é?

Ela ficou calada e ele completou:

– É o Aparício?

– Não! Por que deveria ser?

– Dona Olívia falou que acha que ele gosta muito de você.

– Todo aluno admira o seu professor.

– Nem sempre!

Ela estava quieta e ele insistiu.

– Você gosta dele?

– Ele me impressiona.

– Sei.

– E você, filho? Não gosta de ninguém?

– Já te falei que essas moças daqui são muito sem graça!

– E as da capital?

– São melhores. Mas não mude de assunto.

Ela sorriu e ele continuou:

– Não se preocupe! Eu não vou matar o sujeito! Só vou chamá – lo pra briga e pronto!

Ela riu.

Ele é mais forte que você.

– Mas é mais velho.

Eles riram e ficaram conversando até dormirem.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã, Seu Ambrósio recebeu um telefonema avisando que o nome do neto tinha saído no jornal entre os aprovados para a faculdade.

Ele teria que ir para a capital fazer a matrícula e após um mês as aulas iriam começar.

Todos ficaram contentes e comemoraram. Menos Seu Ambrósio que passou a manhã toda quieto.

Na hora do almoço Maria Isabel comentou:

– Pai, o senhor quase não comeu.

– O tempo está muito quente. Eu tenho mais sede!

João Victor se levantou e abraçou o avô.

– Não fique assim, vô. Eu só vou daqui a um mês. E a

capital não é tão longe assim.

Dona Madalena comentou:

– Já tá sentindo falta do neto?

– Claro! Ele é o meu companheiro!

Maria Isabel interferiu:

– Eu não sirvo pra nada mesmo!

– Deixa de ser ciumenta. Já te falei que você é mulher e depois você prefere as suas químicas!

– Que injustiça!

O almoço ficou animado e à tarde cada um foi se dedicar ao seu trabalho.

Aparício chegou ao Laboratório. Maria Isabel fazia as suas anotações. Ele entrou um pouco sem jeito.

– Boa tarde!

Ela parecia bem disposta.

– Boa tarde! Hoje nós vamos recolher algumas mudas pra repor as que já estão acabando aqui na horta.

– Tudo bem!

Eles pegaram o material e saíram.

No caminho ela resolveu continuar a conversa que eles estavam tendo no dia anterior.

– Muito bem, Aparício. Eu vou tentar acreditar na sua estória.

– Obrigado por acreditar em mim.

– Então me fale de Maniniti.

Ele ficou feliz por poder falar sobre o seu planeta.

– Bom. Lá a gente vive em comunidades e cada um exerce uma função principal ligada à sua profissão e várias outras colaterais que inclui o trabalho doméstico.

– Você tem família?

– Não.

– Como assim? Não tem pai ou mãe?

– Não. Lá não existe família. Nós vivemos em comunidades. Todas as pessoas são a nossa família. Nós não direcionamos o nosso amor a pessoas específicas. O amor é para todos! É fraterno. Todos cuidam das crianças, dos mais velhos, dos doentes e mais necessitados. Tudo é dividido.

Eles caminhavam.

– Eu continuo sem entender. Como nascem as crianças?

– Nos laboratórios – maternidades.

Ela franziu a testa e ele prosseguiu.

– Todos os homens enviam regularmente os seus espermas à maternidade e os óvulos das mulheres são coletados uma vez ao ano por via umbilical.

– Então nenhuma mulher fica grávida?

– Não.

– Vocês não fazem sexo?

– Físico, não! Não é preciso fazer sexo para procriar.

Nós só trocamos energia.

Ela o olhou incrédula.

– Como assim?

– Bem. Um homem tem amor por uma mulher e ela por ele. Então, os dois vão para um local apropriado. Como um quarto com banheira. É preciso que haja água para que a energia seja conduzida mais rapidamente. Podem tirar as roupas ou não. Às vezes, usam uma camisola fina e enviam um para o outro ondas de energia erótica e após alguns minutos eles atingem o orgasmo.

Maria Isabel estava surpresa e sem graça.

– Que ideia?!

Ele sorriu.

Ela queria acreditar, mas a cada instante achava as estórias mais estapafúrdias! Ela continuou a perguntar.

– Nunca aconteceu de um casal ter tido contato físico e uma mulher ter engravidado?

– Eu não sei. A gente nem sabe como fazer sexo fisicamente. Se isso acontecesse seria um atraso para a vida espiritual, e ninguém em Maniniti pensa em voltar na evolução.

Todos querem chegar mais perto de Deus e se esforçam pra isso. Esse é o objetivo da vida no meu planeta.

Ela duvidou:

– Vocês não se tocam?

– Não.

– Não se beijam?

– Claro que não!

Ela não acreditava. Mas havia sentido a onda de relaxamento que ele havia lhe enviado no dia anterior.

Ela comentou:

– Que estranho.

Ele tentou explicar.

– O nosso mundo é energético. A gente não come animais. A gente não sente prazer em comer ou beber. O alimento é o suficiente pra fazer o corpo e a mente funcionarem.

O nosso maior prazer é ajudar os outros como se fossem os nossos irmãos.

Ela ficou pensativa.

– E você concorda com essa forma de viver?

– Claro! Outro dia a senhora me falou de Deus. Se lembra?

– Lembro.

– A senhora disse: “O infinito me comove. Deus me comove”!

– É verdade.

– Então Deus é o sentimento de amor pelo Universo e por suas criaturas. Não foi isso que a senhora quis dizer?

– Eu não sei quem é Deus. Só sinto que as coisas da vida que me emocionam me fazem pensar em Deus.

– Então! Esse é o nosso objetivo. Estar em estado de graça pra chegar a Deus.

– Estou começando a entender. A intenção de vocês é amar. Amar sem ciúmes, sem ódio ou mágoas?

– Exatamente! O amor fraterno de todos para todos.

Quando há necessidade da energia sexual, não há exclusividade. Nós a trocamos com várias pessoas durante a nossa vida adulta. Não há compromisso.

– E como vivem as crianças?

– Elas são amadas e cuidadas por todos. Há um revezamento de tarefas.

Eles trabalhavam e conversavam. Maria Isabel continuou.

– Você falou que o seu Mestre está doente.

– É. Ele vai morrer antes do tempo previsto.

– Como assim?

– A gente sabe o dia que vai morrer.

– Que horror!

Ele riu.

O sol estava forte.

– A gente não tem medo da morte. A gente sabe que é uma passagem. Nós, provavelmente, renasceremos em um planeta mais adiantado espiritualmente do que Maniniti e continuaremos a nossa evolução até o Divino.

– Eu não tenho tanta certeza sobre a vida após a morte.

– Então como a senhora explica Deus?

– Eu não explico. Só tento sentir e acreditar.

– A senhora acha que a vida aqui na Terra é justa?

– Não.

– E já se perguntou o porquê de tanto sofrimento se Deus é amor?

– Muitas vezes… Tantas vezes que me esforço pra acreditar em Deus.

– É por isso que fica olhando as estrelas? Procurando uma resposta?

Ela sorriu.

– A senhora tem um sorriso sincero. Muito bonito.

– Você está me deixando sem jeito.

Ele a olhou.

– Se estivéssemos em Maniniti, certamente trocaríamos energia.

Ela corou e tentou desconversar.

– Quando será o dia da sua morte?

– Se o seu filho não me matar, só daqui a cem anos.

Ela arregalou os olhos.

– Quem te disse isso?

– Eu, às vezes, consigo ler pensamentos.

– Que absurdo! Isso não é educado!

– Eu só leio quando me diz respeito. E o João Victor falou sobre isso outro dia desses. O amor que ele lhe tem é egoísta. Ele não entende que a senhora seria capaz de amar um homem e ele ao mesmo tempo.

Ela franziu a testa.

Ele desconversou.

– Em Maniniti, a gente se comunica por telepatia. E se a senhora quiser, pode conseguir.

Ela não respondeu.

Eles colheram várias mudas de plantas e chegaram próximo a uma praia de rio.

– Está quente!

Disse ela passando a mão na testa suada, para afastar o cabelo do rosto.

– A senhora não gostaria de tomar um banho de rio?

Ela estranhou a pergunta, mas foi sincera.

– Gostaria. Mas nós temos que voltar. Ainda vamos replantar as mudas na horta.

Ele insistiu.

– Vamos! A água deve estar uma delícia!

Ela hesitou.

– Eu prefiro tomar banho em casa.

Ele parou e falou.

– A senhora não quer tirar a roupa na minha frente, não é?

Ela empalideceu.

– Óbvio! Não se tira a roupa na frente de estranhos.

– Em meu planeta também não. Mas eu me considero seu amigo. A senhora me inspira confiança. Eu estou abrindo o meu coração. Estou falando mais do que deveria. Estou indo além do recomendado. Mas, qual o problema de tirarmos as roupas? Nós somos dois adultos!

– O problema é que nós não estamos em Maniniti. Nós estamos no planeta Terra. E no momento você ainda trabalha pra mim.

– A senhora ainda não confia em mim. Não acredita na minha estória.

– Não está sendo fácil mesmo acreditar numa estória dessas!

Ela começou a voltar e ele a segurou pelo braço.

– Me deixe pelo menos provar!

Ela olhou séria pra ele. Aparício soltou a mão do braço dela.

– Como você vai provar?!

– Entre na água comigo. Não precisa tirar a roupa. Eu vou mandar energia erótica e a senhora vai sentir o poder
da energia.

Ela respirou fundo. Estava calor. Estava com uma vontade enorme de se molhar. Queria experimentar a tal energia. Queria acreditar nele. Mas tinha medo de se envolver com aquele louco desconhecido.

– Você sabe o que você está me propondo?

– Sei. Eu estou propondo a uma mulher que me transmite uma enorme onda de amor e que não acredita em mim, pra ela trocar energia e sentir que eu falo a verdade.

Ela olhou para água limpa do rio. O sol forte e respondeu:

– Está bem! Eu vou confiar em você.

– Fique tranquila. Eu não vou te tocar. Eu estou proibido de manter contato físico com as pessoas daqui.

Ele nem esperou que ela entrasse na água, já tirou toda a roupa e pulou. Enquanto ele se refrescava, ela tirou as botas e as calças e entrou de camiseta.

Eles ficaram afastados um do outro nadando e se refrescando.

Aparício lembrou:

– A senhora já está preparada?

Maria Isabel estava totalmente despreparada, mas respondeu que sim.

– Tudo bem o que eu tenho que fazer?

– Vem mais pra perto de mim.

Eles ficaram a uma distância de quase dois metros um do outro. Agora se concentre.

Pense na beleza do Universo, no infinito e no amor.

Aparício foi falando pausadamente e com a mesma tonalidade, desenvolvendo uma aura de energia dourada que

o envolveu completamente e aos poucos foi atingindo Maria

Isabel até envolver totalmente os dois. Ela sentiu uma vibração quente entrar pelo alto da sua cabeça, passar por todo o seu corpo principalmente em suas partes mais sensíveis e erógenas. A sensação de prazer era intensa e ela sentia vontade de retribuir e enviava a mesma energia para ele.

Após uns dez minutos os dois atingiram o orgasmo e a luz dourada se dissipou por seus órgãos sexuais.

Ela fechou os olhos e sorriu. Estava satisfeita com as sensações novas que havia experimentado e com a certeza de que ele não estava mentindo.

A única preocupação que tinha era com o amor que crescia em seu coração por aquele homem.

Eles se olharam e sorriram com ar de cumplicidade.

Aparício havia pensado que seria uma troca de empatias como estava acostumado a fazer em Maniniti. Mas na Terra com Maria Isabel tinha sido diferente. Foi mais intenso. Ele teve vontade de tocá-la, de despi-la. Ele tentou desviar esse sentimento terreno e comentou:

– Quando quiser podemos voltar a trocar energia.

Ela balançou a cabeça dizendo que não.

– Foi maravilhoso! Surpreendente e envolvente! Mas nós somos diferentes. Você pertence a outro planeta. Possui outro tipo de sentimento. Daqui a alguns dias estará voltando para o lugar de onde veio. Eu não posso deixar que sejamos mais do que bons amigos. Eu não quero que isso aconteça de novo.

Ele estranhou a frieza dela. Mas entendia a razão da sua atitude.

Ele a olhou com atenção e só viu bons sentimentos em sua aura. Mas ele não podia querer que ela agisse como uma mulher de Maniniti. Ele também havia sentido. O envolvimento era maior e mais difícil de controlar.

Ela estava com a razão.

Eles saíram da água se vestiram e voltaram para o laboratório.

Uma sensação de paz e relaxamento tomava conta dos dois. Eles voltaram conversando sobre a vida em seu planeta.

O sol já descia no horizonte e a luz avermelhada coloria o rosto deles.

Ele comentou:

– A senhora está mais bonita!

Ela sorriu e respondeu:

– Você não se cansa de me deixar sem jeito.

Ele a olhou de novo.

– A senhora se saiu muito bem!

Dessa vez ela corou e tentou desconversar.

– Obrigada! Mas vamos continuar falando de Maniniti.

Como são as pessoas?

– Como assim?

– Como são fisicamente.

– Ah! Somos todos mestiços. No laboratório se mistura

os genes o máximo possível!

Hoje já não há raças definidas como aqui; preto, branco, amarelo ou índio. A grande maioria possui a pele morena, cabelos cacheados e olhos verdes.

– Se todos são como você, vocês são muito bonitos!

Ele gostou do elogio e continuou falando.

– Mas não foi com essa intenção que misturaram os genes. Foi com intenção de não separar as pessoas por raças ou religião. E também de diminuir a incidência das doenças hereditárias.

– Interessante! Lá não existem países?

– Não. Nem fronteiras ou bandeiras.

Eles chegaram à horta e começaram a plantar.

– A planta que Fausto estava estudando vai fazer o seu Mestre viver por mais tempo?

– Espero que sim!

– E que tal a sua experiência aqui na Terra?

– Está servindo pra confirmar que o modo de vida de Maniniti está de acordo com a evolução. O nosso objetivo de amor fraternal nos dá paz. A Terra não é tão ruim como parece quando a gente estuda. É muito diferente. O que mais me impressiona aqui é esse sistema de família!

– Impressiona bem?

– Sim. É uma pena que não se possa viver em família amando as outras pessoas com a mesma intensidade.

– É difícil! Aqui a família existe para a proteção das crianças. A ligação com os pais é muito forte. A gente sabe que nasce de um ventre materno. A gente se alimenta de leite materno. O pai tem o papel de proteger essas pessoas para que cresçam com saúde e sofram menos violência.

– Eu entendo. Mas aqui na Terra nem todas as famílias são como a sua. Além de tudo, vocês possuem dinheiro e
poder.

– É verdade!

A noite caía.

Eles terminaram a plantação.

– Bem, já é tarde!

– Então, boa noite. Amanhã a gente conversa mais. Eu tenho muito que lhe contar sobre Maniniti!

Ela sorriu e se despediu.

– Até amanhã.

Aparício se afastou e Maria Isabel ficou apaixonada.

Estava confusa com o coração dividido. Sabia que ele iria embora.

Ele entrou em casa e encontrou Dona Olívia preparando o jantar.

– Boa Noite! A senhora está em casa cedo?

– Dona Madalena me dispensou. Disse que iria fazer o jantar.

– Que bom!

Ele se sentou com Seu José e Dona Olívia. Ela comentou:

– Você parece feliz!

Ele sorriu.

– Estou feliz mesmo. Estou aprendendo muito com a

Dona Maria Isabel!

Seu José interferiu:

– Está me saindo estudioso demais e peão de menos!

Dona Olívia riu.

– É. José queria um filho peão. Nós não tivemos. Aí

você aparece e fica cuidando de plantas!

Ele se defendeu:

– Mas é um trabalho muito interessante e gratificante.

Seu José prosseguiu:

– Acho que você está achando interessante mesmo é a

Dona Maria Isabel!

Ele riu um pouco sem jeito, mas completou:

– Ela também é interessante.

Todos riram e Dona Olívia falou:

– Se você pretende conquistar a moça, saiba que terá que enfrentar o Seu Ambrósio e o João Victor! Eles são os guardiões dela. Depois que o Dr. Fausto morreu, ela ficou presa nessa Fazenda. De maneira que fica difícil pra alguém se chegar.

– Acho que ela é que não quis. Me parece que era apaixonada pelo marido. E agora só pensa no filho.

– João Victor é um bom rapaz. Agora vai estudar na capital!

– É mesmo! Todos vão sentir falta dele.

– É verdade.

Eles ficaram conversando durante o jantar e depois se recolheram.

Aparício saiu para fazer a sua meditação e avistou de longe Maria Isabel na janela do seu quarto.

Ele sentia que começava a gostar mais dela do que poderia imaginar! Mas tinha a sua missão a cumprir. Ele meditou e tentou retirar esse pensamento e esse sentimento da sua mente.

 

Capítulo 9

 

Os dias foram passando sem pressa.

O envolvimento entre Aparício e Maria Isabel foi aumentando. Eles tentavam resistir. Ela por saber que a sua partida estava próxima e que seria inevitável. Ele por não querer atrasar a sua evolução. Por não querer essa interferência na sua missão.

Então tentava desenvolver um sentimento fraterno com ela como se os dois estivessem em Maniniti.

O dia amanheceu mais cedo. O sol da primavera clareava tudo.

João Victor se preparava para sair em mais uma comitiva. Ele, Seu José e os peões sairiam pra entregar o gado que já estava vendido. Desta vez, Aparício iria com eles. Eles viajariam por uns cinco dias a cavalo pelo Pantanal.

Seu Ambrósio se orgulhava do neto.

Na hora da saída, as mulheres foram se despedir.

João Victor tocou o berrante e eles saíram.

Todos se emocionavam na hora da partida.

Os olhares de Maria Isabel e Aparício se encontraram.

Ela lhe desejou uma boa viagem em pensamento.

Eles partiram.

Seu Ambrósio abraçou a esposa.

– É. Eu sinto saudades do tempo em que eu ia junto com eles. Mas sei que agora é melhor que eu fique por aqui cuidando das duas e do resto dos empregados.

Elas sorriram.

Dona Olívia estava encostada na cerca e Maria Isabel se aproximou.

– Preocupada?

– É… Meu Zé está ficando velho pra fazer essas viagens.

– Ele está bem. Será que a senhora não está com ciúmes das damas que eles encontram pelo caminho?

– Eu não! Ele já não tá mais pra essas farras! A senhora é que deve estar preocupada com o Aparício.

Ela riu.

– Ah! Dona Olívia, a senhora é muito sabida!

– Só a senhora é que pensa que consegue esconder o brilho dos seus olhos quando ele chega perto!

– Será?! Mas pode ficar tranquila. Nós não temos nada um com o outro. Somos somente bons amigos.

– Mais dia, menos dia, vão ter! Agora eu vou cuidar do meu serviço!

Dona Olívia entrou e ela foi para o pasto ajudar o pai.

A comitiva seguia. Aparício estava se saindo bem e já tinha conseguido fazer amizade com os outros peões.

João Victor se aproximou dele e puxou conversa.

– E então? Que tal a viagem?

Ele olhou admirado o horizonte verde do Pantanal.

– Está sendo uma bela viagem. Esse lugar é lindo!

João Victor sorriu.

– Meu avô me ensinou a amar esse lugar.

– Você vai seguir os passos do avô?

– Já estou seguindo. Minha mãe quer que eu faça faculdade. Ela dá muita importância ao estudo. Eu vou fazer a vontade dela. Sei que seria a vontade do meu pai também.

Mas assim que acabar vou voltar correndo pra cá e vou passar o resto da minha vida cuidando de bois!

– A gente vê o seu gosto pela Fazenda!

– E você? Vai continuar na Fazenda?

Aparício não queria decepcionar o rapaz.

– É… Eu dei sorte em ter ido parar na Fazenda do seu avô. Lá eu encontrei trabalho, amigos e pessoas maravilhosas como o Seu José e a Dona Olívia, que me tratam como se eu fosse um filho! Foi Deus quem me botou nesse caminho!

O mais novo sorriu e bateu nas costas dele.

– É homem! É assim que se fala!

Eles continuaram conversando sobre a paisagem. João

Victor repetia as estórias que o seu avô lhe contava durante a cavalgada.

De vez em quando, Seu José se chegava e contava outras estórias.

De seis em seis horas eles paravam para comer e quando a noite caía, eles arrumavam o acampamento, acendiam uma fogueira, bebiam e cantavam.

Alguns peões ficavam responsáveis pela vigília dos animais para que não houvesse ataque de onças, cobras ou de outros invasores.

Quando os primeiros raios de sol surgiam, eles retomavam a caminhada.

O calor era forte, o banho era de rio e a roupa secava no corpo.

Aparício nunca tinha precisado realizar tamanho esforço físico. E entendia porque nesta vida terrena a matéria era tão importante! Todos dependiam dela pra viver. As pessoas não tinham consciência do poder da energia e a gastavam com o excesso de exercício físico.

Ele aprendia a cada minuto e durante a noite pensava em seu Mestre em Maniniti. Em como a sua missão estava sendo importante e como o conhecimento que estava adquirindo ajudaria no desenvolvimento da consciência do seu povo.

Na Terra, a luta pela sobrevivência era a regra. A violência era grande. As pessoas se matavam por ódio, vingança, poder, loucura e até por amor!

Eles diziam e chegavam a acreditar nisso.

Os animais se matavam e os homens matavam os animais.

A morte tinha maior importância que a vida!

O povo da Terra não sabia que a morte não era o fim, mais um recomeço, uma passagem para um novo estágio de
aprendizado.

Ele pensava. E os dias iam se seguindo.

Em três dias eles chegaram à cidade onde os bois seriam entregues.

Fecharam o negócio.

Seu José e João Victor assinaram os papéis e receberam o dinheiro.

Depois foram ao Banco, depositaram tudo na conta do Seu Ambrósio e fizeram o caminho de volta.

Na primeira noite sem os bois, eles pararam em uma casa de prostituição.

Aparício ficou surpreso. E olhava tudo aquilo com indignação.

Todos bebiam, cantavam, dançavam e agarravam as mulheres seminuas como se elas fossem suas propriedades.
Ele percebia que os homens possuíam um poder maior na sociedade. E naquele lugar eles usavam as mulheres como se fossem seus brinquedos.

João Victor foi um dos primeiros a agarrar a sua e subir para um dos quartos.

Seu José ficou bebendo e assistindo a peonada se divertir.

Logo uma moça se aproximou do Aparício.

– E aí bonitão! Não quer se divertir comigo?!

– Não. Eu estou bem. Obrigado.

A mulher continuou:

– Você não gosta de mulher?

Ele franziu atesta.

– Gosto, mas agora eu só quero olhar. Estou acompanhando a peonada.

– Tá bom. Quando quiser é só chamar!

– Eu vou me lembrar.

Seu José comentou:

– Não gostou da moça?

Ele olhou para o Seu José.

– Pra falar a verdade, não!

– Você é um homem jovem, forte, bonito! Já está na

Fazenda há meses… Não sente falta de uma mulher?

– Não. Quer dizer…

Seu José sorriu e bateu nas costas dele.

– Você anda interessado na Dona Maria Isabel, não é?

Ele sorriu sem jeito.

– É. Aquela é uma mulher do meu agrado!

Seu José riu feliz.

– E você é do agrado dela?

– Acho que sim.

– Tá bom! Tá certo! Mas não vai fazer mal você se divertir um pouco com essas moças.

– Eu sei. Mas não estou com vontade mesmo. Estou muito cansado!

– Que estória de cansado! Você está mais inteiro do que todo mundo junto!

Ele sorriu.

– É que eu não bebo!

– Tá bom. E a comitiva? Está gostando?

– Muito!

– João Victor adora! Desde os oito anos que ele acompanha o avô! Agora ele me acompanha e daqui a algum tempo vai acompanhar você.

Aparício arregalou os olhos.

– Por quê?

– Já está chegando a minha hora de parar com essas viagens. O corpo já não aguenta. Alguém vai ter que ficar no meu lugar. E você é o mais indicado pelo respeito que impõe aos seus companheiros.

– Não! Eles sabem o que fazer!

– Mas tem que ter um pra mandar! E o João Victor ainda é muito novo. Não tem maldade.

– Mas logo eu?!

– Você vai ou não vai ser o marido da Maria Isabel?!

Ele sentiu um frio na barriga.

Ele sabia que não poderia assumir essas responsabilidades. O seu transporte não tardaria. E ele estava preparado para retornar ao seu planeta.

Aparício ficou quieto e pensativo. Seu José ia fazer outro comentário, mas João Victor chegou perto deles todo contente.

– E vocês dois? Que caras são essas? Não pegaram nenhuma moça?!

– Não. Estamos só olhando.

João Victor bateu no ombro do Aparício.

– Fique à vontade. Eu não vou contar pra minha mãe.

Ele ficou sério e respondeu:

– Eu sei. Você já está se tornando um adulto. E é um bom filho. Mas eu estou querendo ficar quieto com os meus pensamentos.

– Tudo bem!

João Victor lhe deu um abraço e ele ficou mais sem jeito ainda.

O contato físico e as demonstrações de solidariedade em relação a um suposto romance com Maria Isabel estavam lhe deixando preocupado.

Ele gostava muito daquela família. Estava sempre emitindo ondas de amor fraterno para todos.

Mas tinha que começar a entender que na Terra o gostar era compromisso e ele não poderia assumir nenhum compromisso. Então não poderia gostar.

A viagem prosseguiu e no final ele e João Victor haviam se tornado bons amigos.

A tarde já caía quando eles chegaram à Fazenda.

Seu Ambrósio ouviu o berrante distante e saiu a cavalo para encontrar o neto.

Dona Olívia e Dona Madalena preparavam o jantar e o resto dos peões já preparavam os festejos.

Maria Isabel se arrumou mais bonita do que o normal pra receber o filho e Aparício.

Logo estavam todos se abraçando e dançando ao som dos violeiros e dos sanfoneiros.

Dona Olívia dançava com Seu José. Dona Madalena com Seu Ambrósio e Maria Isabel com o filho.

Depois que a música parou, ela se sentou e Aparício se aproximou.

– Gostei muito de ter ido com a comitiva.

– João Victor se impressionou com a sua liderança e com o fato de você não ter ficado com nenhuma mulher na casa das damas.

– Você sabe que eu não posso ter contato físico com ninguém aqui neste planeta.

– Eu sei, mas eles não sabem.

– Ele pensou que eu não queria te aborrecer. Ele pensa que nós estamos namorando.

Ela riu sem jeito. Ele comentou:

– Você fica tão sem jeito quando se fala de envolvimento entre casais, que me deixa emocionado.

– Por quê?

– Por que é muito diferente em Maniniti e me pareceu mais diferente ainda na casa das damas.

– É que pra elas é trabalho. Pra vocês é amizade, mas pra mim é um sentimento forte. É envolvente. É intenso… É cumplicidade. É uma forma de amor.

É importante!

– Eu percebo tudo isso.

Às vezes me dá vontade de esquecer Maniniti e ficar com você.

Ela respirou fundo.

– Não me diga ou prometa o que você não pode cumprir. É melhor a gente mudar de assunto.

Ele entendeu.

– Você tem razão. Vou te contar a minha impressão da viagem com a comitiva e com o seu filho.

Ela sorriu.

Eles ficaram conversando e a festa continuou noite adentro.

 

Capítulo 10

 

A noite passou.

No dia seguinte todos acordaram mais tarde. Foi quase um feriado.

Dona Olívia serviu o café. Aparício e Seu José comiam e conversavam.

– Ah! O meu pé está um bagaço!

– Eu vou preparar um escalda pé pra você! Quer também, meu filho?

– Não. Eu estou bem. Obrigado.

Ele observava o carinho com que aquele casal se tratava. Mas percebia que a mulher era sempre serviçal e submissa.

Ele teve vontade de ser cuidado por uma mulher, como

Dona Olívia fazia com Seu José.

Mas logo tentou tirar esses pensamentos da sua cabeça.

Eles terminaram o café e Aparício se levantou.

– Eu vou andar um pouco.

Ele saiu pensativo e foi até o laboratório copiar em cd e incluir a última pesquisa do Dr. Fausto. A planta que provavelmente retardaria a passagem do Mestre.

Teria que ir embora o quanto antes, pois a vontade de ficar aumentava a cada dia e atrapalhava a sua dedicação à missão.

Ele passou a manhã toda no laboratório.

Maria Isabel ficou em casa com a família. Dona Madalena queria que ela a ajudasse na cozinha.

João Victor e Seu Ambrósio ficaram no escritório fazendo as contas dos lucros que tiveram com o gado e planejando o que teriam que investir para a nova temporada.

Depois, todos almoçaram, descansaram e voltaram a se encontrar na sala, onde costumavam conversar.

E assim o dia passou tranquilamente como em um feriado.

No dia seguinte, à tarde, Maria Isabel foi até o laboratório e percebeu que Aparício já havia feito as cópias.

Ela sentiu seu coração apertar, pois sabia que ele estava se preparando para partir. Com o passar das horas ela foi se ocupando com o trabalho e esqueceu o ocorrido.

Ela estava distraída olhando no microscópio quando

Aparício entrou. Ela não percebeu. Ele se aproximou e colocou as mãos em seus ombros.

Ela sentiu que era ele, se virou e sorriu.

– Oi!

– Oi. Eu percebi que você andou concluindo o trabalho com a última planta.

– É. Eu passei o dia de ontem quase inteiro aqui estudando a dosagem. Só falta testar!

– E o teste vai ser com o Mestre?

– É. Eu já estou com todo o material pra levar.

O olhar e o pensamento dele estavam em Maniniti.

– O Mestre Latum189… Que boa alma! Eu sinto falta dele. Sinto falta das conversas e da sua sabedoria.

Ela sentia a distância que havia entre eles.

– Espero que você encontre um jeito de me enviar algum sinal de que tudo funcionou.

– É fácil! É só olhar as estrelas. Se todas estiverem verdes, missão cumprida. Se todas vermelhas, nada feito! Cores misturadas, missão em andamento!

Ela mostrou um sorriso triste.

– Você está tentando se despedir?

Ele ficou sem jeito.

– Acho que a senhora está aprendendo a usar a telepatia!

– A gente acaba aprendendo alguma coisa.

– Estou vendo!

– Eu queria te dizer uma coisa. Acho que nos tornamos amigos. Então não faz sentido você ficar me chamando de senhora. Pode me chamar de você.

– Está bem!

Ele percebeu que ela estava melancólica e a abraçou um pouco sem jeito. Maria Isabel começou a chorar e ele a abraçou mais forte.

– Não quero te ver assim. Você é muito importante pra mim! Eu gosto demais de você!

Eles ficaram abraçados por um tempo e ela foi parando de chorar. Ela se acalmou e sentiu o coração dele batendo.

Eles estavam muito próximos, como nunca estiveram antes e a energia sexual começou a tomar conta dos corpos deles.

Aparício começou a acarinhar os seus cabelos, beijou os seus olhos, o seu pescoço e a sua boca. Ele sentiu o cheiro dela, o gosto dela. Tudo isso fazia com que ele se sentisse parte dela.

Ele se lembrou da lenda de Adão e Eva e as metades que haviam sido separadas e teriam que se encontrar. Se a lenda fosse verdade ele acabara de entender o significado da outra metade.

Maria Isabel estava tão envolvida que teve medo e se afastou logo depois do beijo.

– Por favor! Não faça mais isso!

Ela virou de costas e tentou andar até a porta, mas ele a segurou.

– Por favor! Não fuja!

Ela respirou fundo e olhou pra ele apaixonada.

Ele a beijou de novo e a abraçou com loucura.

Aparício falava baixo.

– Ah! Mestre! Meu Deus! Como eu tentei lutar contra esse sentimento! Mas não foi possível!

Ele segurou o rosto dela com ternura e falou:

– Maria Isabel. O teu gosto, o teu cheiro, o teu olhar, o teu jeito, tudo em você me fascina! Eu te quero como eu nunca quis uma mulher antes em toda a minha vida! É forte demais pra evitar!

Ela fechou os olhos e deitou a cabeça no ombro dele.

– Você sabe que nós não podemos. É melhor você terminar logo esse trabalho, entrar em contato com a sua gente e ir o quanto antes! Eu não quero sofrer mais uma perda!

Ele beijou a testa dela e a segurou pelas mãos. Os dois se afastaram um pouco e se olharam.

– Será que você não vê que nós já estamos sofrendo! Eu não vou embora sem viver esse amor! Nem que seja por um dia. Eu sei que é preciso! Por nós dois!

Ela soltou as mãos dele e saiu em direção à horta. Ele foi atrás.

– Pare de me seguir!

– Pare você de fugir de mim. Eu sei que você me ama!

Eu sei que você me deseja!

– Quando você chega perto de mim, uma onda de calor envolve todo o meu corpo! Eu sei que isso não pode acontecer! Eu sei que fazer sexo físico com você será um envolvimento forte demais. A gente sabe que vai ter que se separar…

Pra que começar?!

– Nós já começamos!! Eu não quero mais desistir! Eu quero correr todos os riscos com você!

Ela ficou preocupada.

– Você não sabe o que está dizendo. Vamos pra casa. E…

Ele se aproximou dela e a olhou com desejo. Ela tentou desviar o olhar, mas ele a beijou de novo e passou a mão por todo o seu corpo.

– Você está louco! Todo mundo vai nos ver aqui fora!

– Então vem comigo!

Ele a puxou pelas mãos e a levou para beira do rio onde ninguém poderia vê-los ainda mais no horário da cesta quando todos dormiam.

Logo que chegaram estavam ofegantes de cansaço e prazer.

Ele a beijou e começou a desabotoar a blusa dela com calma. Ela se afastou um pouco e começou a se despir sob o seu olhar. Ele também começou a tirar a sua própria roupa e quando estavam completamente nus, entraram na água e se tocaram e se amaram.

O sexo físico era instintivo. Ela não precisou dizer nada a ele. Aparício sentia como se os dois fossem um só ser. E isso era totalmente novo pra ele.

O prazer que sentiam era diferente da troca de energia, não era mais intenso, mas era mais envolvente.

Eles passaram algumas horas se amando até que cansaram, tomaram banho no rio, se vestiram e voltaram pra casa felizes e totalmente relaxados.

Aparício segurou a mão dela.

– Eu nunca mais vou te esquecer!

– Eu também não. Vou ter sempre você no meu pensamento. E vou tentar usar a telepatia.

Ele riu e a abraçou.

– Vamos viver o que temos a cada dia até chegar a hora de ir.

– Tudo bem. Mas, não vamos dizer nada pra ninguém.

Eles não vão acreditar nessa estória de outro planeta e vão alimentar ilusões a seu respeito.

– Você está querendo proteger a sua família do sofrimento.

– Eu vou tentar. Mas o sofrimento faz parte da nossa vida. Pelo que você me disse em Maniniti tudo é muito natural. Vocês vivem em paz. A meta é chegar perto do divino.

Aqui na Terra nós precisamos nos proteger. Nós sabemos que Deus está muito longe!

Desde o nascimento até a morte há sofrimento. E nós vivemos nos defendendo e protegendo a quem amamos.

– Eu sei! E compreendo a cada dia que estou aqui, a razão de tudo isso. Sabe, há pessoas da Terra que após a morte renascem em Maniniti ou até em algum planeta mais evoluído!

Ela sorriu.

– Eu só gostaria de renascer em Maniniti se eu pudesse te encontrar e viver esse amor que eu estou sentindo agora.

Ele se emocionou e a abraçou de novo.

Os dois caminharam conversando.

Ele pegou uma flor e deu a ela. Seus olhos brilharam.

– Que lindo! Como você é cavalheiro!

– Quero te ver sempre sorrindo assim.

Eles não perceberam a aproximação do João Victor.

– É. Oferecendo flores pra minha mãe?!

Aparício se surpreendeu e Maria Isabel ficou sem jeito, mas respondeu:

– Ele é um cavalheiro.

– Eu estou vendo.

João Victor abraçou o amigo.

– Conseguiu conquistar a minha mãe?!

– Estou tentando.

Ela sorriu e comentou:

– Ele é um cavalheiro, mas eu preciso de algum tempo.

– Será que antes de eu ir pra capital, vocês já resolveram isso?!

– Acho que você está muito apressado, meu filho!

– Eu quero ir sabendo que vai ficar tudo bem por aqui.

– Eu sei me cuidar.

Aparício ficou calado e o rapaz continuou:

– Já que ela não se decidiu eu vou levá-la pra jantar!

Com licença!

João Victor deu o braço à mãe e a tirou da companhia do amigo.

Aparício entendia o rapaz e tinha vontade de lhe contar a verdade.

Ele entrou em casa e se distraiu com a companhia de Seu José e Dona Olívia.

Na casa grande todos jantaram, assistiram à televisão e mais tarde foram para os seus quartos.

Seu Ambrósio comentou com a esposa.

– Maria Isabel parece estar apaixonada pelo forasteiro.

– Eu sei. Você também já notou?

– Ela não consegue disfarçar. E ele?

– Dona Olívia me falou a mesma coisa! Sempre que pode ele corre pro laboratório. Diz que está estudando.

Os dois riram. Ele abraçou a esposa.

– Se esse rapaz não nos decepcionar com a nossa filha poderá até ser o administrador! Ele é um bom sujeito! É trabalhador! Inteligente! Tem liderança!

– E o Seu José?

– José já está cansado… No próximo ano já vai se aposentar. E foi ele mesmo quem sugeriu.

– Mas esse moço é muito esquisito!

– Esse é o problema. Nas festas ele não tira os olhos da Maria Isabel, como se só existisse ela. Mas, nunca a levou pra dançar! Às vezes se senta perto dela e os dois ficam numa conversa sem fim. Parece que ele tem medo ou esconde alguma coisa!

– Pois é.

– Assim que eu tiver oportunidade, vou conversar com ele.

– Acho bom mesmo!

Eles conversaram e a noite passou.

 

Capítulo 11

 

Alguns dias se passaram.

Era noite.

Na Fazenda a noite era escura.

O céu estava estrelado. A lua estava linda! Fazia muito calor!

Por volta das duas horas da manhã Dona Olívia entrou na casa grande correndo e foi direto para o quarto da Maria Isabel.

– Dona Maria Isabel me acuda!! José está tendo um troço!!

Ela se levantou atordoada, calçou os chinelos e desceu correndo pra casa da Dona Olívia.

João Victor ouviu a confusão e foi atrás delas.

– Mãe! O que está acontecendo?!

– Seu José está passando mal. Pegue o avião e vá buscar o Dr. Antônio!

O rapaz foi se arrumar.

Seu Ambrósio e Dona Madalena também ouviram o barulho e desceram. João Victor encontrou os avós, explicou o que tinha acontecido e saiu.

Dona Madalena comentou:

– É melhor você ficar aqui. Espere a Maria Isabel voltar.

– Não, Madalena! É o meu amigo. Eu tenho que ir até lá pra vê-lo.

Ele saiu e ela ficou rezando.

Maria Isabel entrou correndo no quarto do Seu José.

Aparício apoiava a cabeça dele em seu colo.

Dona Olívia gritava desesperada.

– Salva ele! Por favor, Maria Isabel! Salva!!

Ela viu Seu José estático no colo de Aparício. Ele balançou a cabeça.

– Não adianta! Ele já está fazendo a passagem.

Ela arregalou os olhos.

– Não!! Eu tenho que tentar!!

Ela se debruçou sobre ele. Pegou um dos seus vidrinhos e colocou em seu nariz, tentou abrir os seus olhos e escutar o seu coração. Ele não respondia. Já estava até urinado.

Ela bateu em seu tórax e chamou por ele.

Aparício observava o seu desespero diante da morte e da sua impotência.

Ela tinha se levantado da cama de camisola transparente e só tinha calçado os chinelos.

Quando ele a viu entrar no quarto, vestida daquela maneira, totalmente despenteada e movida pela emoção, ficou totalmente comovido. Achou que ela estava linda!

Maria Isabel percebeu que não adiantava mais tentar.

Aparício apoiou a cabeça dele no travesseiro, se levantou, segurou os ombros dela e falou docemente.

– Chega. Não há mais nada a fazer.

Dona Olívia gritou:

– Não!! Meu Deus!! Por quê!?

Ela se debruçou sobre o corpo do marido e começou a soluçar.

Aparício abraçou Maria Isabel. Ela fechou os olhos e deixou que as lágrimas corressem quentes por sua face.

Seu Ambrósio entrou no quarto e percebeu o que havia ocorrido.

– Ele morreu?

Maria Isabel se afastou de Aparício e respondeu:

– Quando eu cheguei, ele já estava morto.

O pai a olhou e tirou o roupão que vestia.

– Vista esse roupão, minha filha.

Ela vestiu e algumas pessoas começaram a entrar na casa.

Seu Ambrósio mandou que esperassem na copa e se aproximou da Dona Olívia. Ela estava desesperada. Ele olhou o amigo estendido na cama e seus olhos umedeceram.

– Olívia!

– Oh! Seu Ambrósio, ele tava tão feliz! Por que Deus levou ele agora?

– Não sei! Mas você ficou.

– O que vai ser da minha vida sem ele? Eu não sei viver sem ele!! Não sei!

– Vai ser difícil. Vai ser duro. Mas a gente se adapta a tudo nesta vida. A gente vai estar do seu lado. A gente vai te ajudar. Você poderá sempre contar com a nossa família!

Dona Olívia não se afastava do corpo do marido.

Aparício ficou emocionado e Maria Isabel chorava encostada na parede.

O barulho aumentava do lado de fora. Eram as pessoas chegando e querendo saber notícias.

Aparício saiu e acalmou o pessoal.

– Calma, gente!

– O que aconteceu?

– Seu José está passando mal. É melhor vocês irem para as suas casas! O Doutor já vai chegar. Depois que ele examinar a gente vai saber o que aconteceu! A Dona Maria Isabel está cuidando dele!

O povo escutou e obedeceu.

– Pode deixar que eu mando avisar a vocês se algo diferente acontecer!

– Tá bom! A gente vai esperar em casa!

Aos poucos eles foram voltando para as suas casas.

Seu Ambrósio saiu do quarto e deixou Maria Isabel consolando Dona Olívia.

Ela tinha o olhar perdido e o semblante cansado.

Ele chegou à copa e encontrou Aparício sozinho.

– Cadê toda aquela gente?

– Voltaram para as suas casas.

– O que você disse a eles?

– Disse para esperarem pelo médico em suas casas.

Seu Ambrósio sorriu e bateu em seu ombro.

– Bom! Muito bom! Eu vou avisar a minha esposa. E agora eu sei que você vai controlar bem as pessoas por aqui e vai proteger a Dona Olívia e a minha filha.

– Sim, senhor!

Ele saiu.

Dona Madalena o esperava aflita.

– E então?

Ele se sentou na poltrona com ar desanimado.

– Ele morreu.

– Morreu?! Mas, como?!

– Ninguém sabe. Passou mal. Sentiu falta de ar e morreu! Quando a Maria Isabel chegou lá, ele já estava morto.

– Nossa! Então foi muito rápido! Porque logo que a Dona Olívia chamou, ela saiu direto da cama e foi direto pra lá.

– É. Mas já não pode mais fazer nada. Ela disse que ainda tentou em vão.

Ela olhou pro marido.

– Cadê o seu roupão?

– Ah! Dei pra Maria Isabel. Tava lá de camisola transparente, quase pelada!

– Ah! Quando chamam, ela sai do jeito que está. Ainda mais sendo a Dona Olívia!

– É. Mas o tal Aparício estava lá consolando ela!

– Ah! Ambrósio?! Não seja maldoso! Logo em uma situação dessas!

– Eu sei o que eu estou falando.

Eles ouviram o barulho do avião.

Logo João Victor aterrissou com o Dr. Antônio.

Os peões voltaram a seguir em direção a casa do Seu José.
João Victor e o Dr. Antônio entraram e encontraram Dona Olívia soluçando baixinho.

Ela perguntou:

– Ele morreu mesmo, doutor?

Dr. Antônio se aproximou do corpo, examinou, fez algumas perguntas pra Dona Olívia, Aparício e Maria Isabel e em seguida respondeu.

– É, Dona Olívia, infelizmente ele morreu.

João Victor se desesperou.

– Não mãe!! O Seu José, não!!

E começou a choradeira outra vez.

Aparício tirou o rapaz do quarto. Quando eles entraram na copa e os peões viram João Victor naquele estado, logo souberam que o Seu José havia morrido.

A notícia se espalhou por toda a Fazenda.

As pessoas começaram a se organizar para o velório.

Alguns ajudaram a vestir o corpo. Outros o colocaram sobre a mesa da sala e acenderam quatro velas nas extremidades.

Uma senhora começou a cantar uma oração.

Todos cantavam e rezavam.

Aparício assistia ao ritual e via a alma dele ainda próxima ao corpo.

Maria Isabel e João Victor ficaram abraçados.

Dr. Antônio foi conversar com o Seu Ambrósio e Dona Madalena.

Algumas mulheres serviram bolo e café fresquinho.

O velório continuou por toda a manhã.

João Victor foi levar o médico, buscar o padre e providenciar os papéis para o enterro.

Seu Ambrósio foi com o neto.

Maria Isabel voltou para sua casa a fim de trocar de roupa e fazer companhia à sua mãe.

Aparício e Dona Olívia continuaram no velório recebendo os pêsames.

Quando o padre chegou, todos rezaram uma Missa.

Alguns empregados prepararam a sepultura em um jardim um pouco afastado da casa.

O Sol já estava querendo se pôr quando o Seu José foi enterrado.

A alma dele ainda rondava o túmulo.

Aparício queria se comunicar, mas ele parecia não vê-lo ou ouvi-lo.

Aos poucos as pessoas foram voltando para as suas casas. E por fim a casa ficou vazia. Só ele e Dona Olívia continuaram sentados na copa.

Ela se levantou e começou a mexer as panelas.

– A senhora está com fome?

– Não! Estou preocupada com você.

Ele a abraçou.

– Deixe que eu consigo fazer isso sozinho. A senhora precisa descansar.

– Eu não vou conseguir ficar quieta, parada. Estou sem sono. Prefiro me distrair na cozinha.

– Está bem!

Ela começou a fazer a comida e ele ficou observando. O silêncio da casa o incomodava.

Há alguns meses atrás ele não entenderia a reação das pessoas diante da morte. Não entenderia todo aquele ritual.

Mas naquele momento sentia falta do Seu José. E percebia a dor que a ausência dele estava causando àquela mulher.

Em Maniniti não havia esse apego entre as pessoas. Todos eram igualmente importantes uns para os outros. O dia da morte era como o dia do nascimento.

Era um dia marcado, sabido e esperado.

Todos sabiam que a passagem era necessária para o crescimento do espírito e que a cada morte chegariam mais perto de Deus. Mais perto do amor. Mais perto da perfeição.

Mas na Terra…

Na Terra era tudo tão diferente!

Ele entendia. Ele estava sofrendo com a morte inesperada de Seu José!

Ninguém estava preparado.

Ele era um homem bom! Companheiro!

Dona Olívia teria que viver o tempo que lhe restava sem ele.

Eles comeram calados.

A noite passou e eles foram dormir cansados.

 

Capítulo 12

 

O dia amanheceu mais triste.

O céu estava nublado.

Dona Olívia e Aparício tomavam o café da manhã na mesa da copa e conversavam.

– É, meu filho, hoje você vai ter mais trabalho.

– Eu sei. E a senhora?

– Eu já vou preparar o café do Seu Ambrósio. Ele já deve estar de pé.

Eles terminaram o desjejum e quando já estavam saindo, João Victor apareceu.

– Bom dia!

– Bom dia!

Ele abraçou Dona Olívia.

– Minha mãe pediu pra avisar a senhora que ela já está fazendo o café. Disse pra senhora ficar em casa descansando.

Ela balançou a cabeça com o seu jeito doce.

– Eu prefiro ficar trabalhando e conversando com a sua mãe e com a sua avó.

– Então, tá!

Ele se dirigiu para Aparício.

– O meu avô quer falar com você.

Ele se surpreendeu.

– Comigo?!

-É. Ele pediu pra te convidar pro café da manhã.

– Mas eu já tomei café da manhã.

– Vamos lá, homem! Tá com medo dele?!

– Não. Mas…

– Vamos!

Os três entraram na casa.

Dona Olívia foi para a cozinha e João Victor e Aparício foram para a sala de jantar.

A família já estava sentada à mesa.

Eles entraram.

– Bom dia!

– Bom dia!

– Pode sentar!

– Com licença!

Eles sentaram e Seu Ambrósio comentou:

– Sirva ele, minha filha!

Maria Isabel olhou para Aparício com cumplicidade.

– Ele sabe se servir sozinho. Ele está à vontade.

– Tá certo!

Ele se serviu e comeu pouco como de costume.

Eles se observaram.

Depois conversaram sobre o velório e sobre a vida do Seu José.

Quando terminaram, Seu Ambrósio convidou Aparício para conversar com ele em seu escritório.

Os outros foram cuidar dos seus afazeres.

Eles entraram no escritório e Aparício observava tudo pouco à vontade.

Seu Ambrósio acendeu um charuto e ofereceu a ele.

– Não, obrigado!

– Vamos sentar!

Eles se sentaram e o mais velho se pronunciou:

– Pois bem, Aparício,eu te chamei aqui por dois motivos: primeiro porque o José morreu e eu tenho que escolher um novo administrador. Nesta semana o meu neto vai pra capital. Vai começar o curso de Administração. A minha filha é mulher e não pode sair por aí com a comitiva. Eu e o José já havíamos pensado em você, mas seria para o próximo ano quando ele aposentasse. Mas o destino foi mais forte e nos privou da sua convivência sem que pudéssemos nos preparar.

Pra resumir eu gostaria muito que você ficasse no lugar dele como administrador da Fazenda. O que você me diz?

Ele pensou rápido e respondeu:

– Bem, Seu Ambrósio, o senhor me honra muito com essa indicação. Mas eu estou há pouco tempo aqui. Ainda tenho muito que aprender.

– Eu vou lhe ensinar! Você é um homem inteligente!

Tem liderança! É diferente dos outros. Se nota que tem estudo e…

– Eu agradeço, mas tenho que pensar porque…

Seu Ambrósio estranhou a atitude dele e respondeu:

– Bem! Não precisa responder agora. Eu lhe disse que tinha dois motivos. O primeiro eu já lhe falei. E o segundo diz respeito a minha filha, Maria Isabel.

Aparício ficou pálido.

Sabia que estava em apuros.

Seu Ambrósio continuou:

– Eu vi vocês dois abraçados na casa do José. E só pude chegar à conclusão que se ela se deixou ser abraçada por você, vestida como estava, é por que existe intimidade entre vocês dois.

Ele fez uma pausa, olhou para o forasteiro e continuou:

– A minha filha não costuma ficar abraçando os meus empregados, não é verdade?

Então? O que você tem a me dizer sobre isso?

Aparício decidiu não se acovardar e respondeu:

– Eu amo a sua filha.

Seu Ambrósio arregalou os olhos. Não esperava que ele fosse tão sincero.

– Ama?! E porque nega? Porque se esconde? Porque não falou comigo?

– Porque eu não sei quem sou. Eu não tenho nada pra oferecer. Ela merece uma pessoa melhor. Eu tentei evitar, mas está sendo muito difícil resistir!

Seu Ambrósio se levantou.

– Aparício! A gente é o que quer ser! Você tem o seu trabalho e o seu amor pra oferecer! Se você não for um moleque, nós aceitamos você como é. Como tem sido até agora.

Mas se preferir e quiser ir embora procurar saber a sua identidade, vá agora. Vá logo. Antes que ela fique mais apaixonada e sofra demais com a sua ausência!

Aparício engoliu a saliva.

Ele estava tendo a chance de ir embora.

Já tinha todo o material necessário para fazer o remédio, inclusive as mudas.

Só precisaria encontrar um lugar pra ficar e esperar o sinal. Ele sabia que o sinal apareceria em breve. Ele ficaria livre e voltaria pra Maniniti sem problemas.

Nunca mais iriam ouvir falar dele. Ele cumpriria a sua missão e voltaria com uma experiência inesquecível da vida na Terra.

Porém essa decisão não estava sendo tão fácil de tomar. Ele estava dividido. Ele amava demais aquela mulher e estava tendo a oportunidade de viver com ela e com a sua família o resto de suas vidas. E agora ainda tinha a Dona Olívia que estava sozinha e ele se sentia responsável por ela.

Ele pensou e imaginou que também poderia aceitar ficar e quando o sinal aparecesse, ele daria um jeito de parecer que havia se afogado e morrido no rio.

Quando essa ideia passou pela sua cabeça ele respondeu:

– Seu Ambrósio, eu não penso em ir embora. Eu não sou nenhum moleque. A minha dúvida era quanto à minha origem. Eu nunca me julguei importante o suficiente pra declarar o meu amor à sua filha. Eu só não queria criar problemas. Principalmente com o João Victor.

Seu Ambrósio andou pela sala.

– João Victor já gosta de você. Eu compreendo a sua insegurança, mas estou esperando a sua resposta.

– Eu já respondi. Eu aceito o cargo de administrador da Fazenda e gostaria que o senhor aceitasse o meu pedido de casamento com a sua filha.

O mais velho bateu nas costas dele.

– Muito bem! Muito obrigado por aceitar o cargo de administrador. Quanto ao casamento, vamos primeiro fazer um jantar simples de noivado. Não podemos fazer festa. O José acabou de falecer. Daqui a uns três meses a gente faz a festa de casamento. Durante esse tempo eu te ajudo com os negócios da Fazenda.

Aparício sorriu.

– Muito obrigado por confiar em mim e me aceitar como seu genro.

Seu Ambrósio sorriu e lhe deu um abraço.

– Espero que você faça a minha filha feliz.

– Fique tranquilo.

Eles acertaram os negócios e os papéis da Fazenda. Depois Aparício foi falar com Maria Isabel. Ela estava com o filho e alguns peões na preparação de uma ração especial para o gado.

Ele se aproximou:

– Tudo certo por aí?

– Oi! Tudo bem!

João Victor perguntou:

– O que o meu avô queria contigo?

– Coisa boa! Queria me convidar pra ser o novo administrador até você terminar a Faculdade.

O rapaz apertou a mão dele.

– Legal, cara! Pena que o Seu José não está mais vivo pra te cumprimentar também! Ele gostava muito de você!

– Eu também gostava muito dele.

Respondeu Aparício com os olhos baixos. Ele se lembrou do amigo que havia morrido na noite anterior daquela forma repentina.

Ele olhou pra Maria Isabel que prestava atenção na conversa. E João Victor continuou:

– E da minha mãe? Ele não falou nada?

Aparício sorriu.

– Falou, mas eu disse que precisava falar com você antes de começar a namorá-la.

Maria Isabel ficou sem jeito e o rapaz franziu a testa.

– Como é que é?! Você quer namorar a minha mãe?!

Aparício percebeu que ele estava brincando, mas continuou:

– Quero namorar e casar com ela.

Maria Isabel se levantou. Os outros peões estavam um pouco afastados. João Victor a abraçou e perguntou:

– Você quer, mãe? Você quer se casar com ele?

Ela olhou para os dois.

– Eu não estou gostando nada dessa estória de vocês decidirem a minha vida sem falar comigo!

– Mas…

– Mas nada! Meu pai e você Aparício fizeram um acordo! Negócios! E agora você vem com essa conversa de casamento?

Ele ficou sério.

– Eu disse a ele que eu te amo e que eu quero me casar com você.

Ela ficou sem jeito de novo.

– Ah! Meu Deus!

João Victor interrompeu:

– Você não quer?!

– Eu… É que…

Ela olhou pra Aparício. Ele sabia o que passava na cabeça dela. Eles teriam que conversar depois. Naquele momento ele só queria abraçá-la e foi o que fez. Ele a abraçou e beijou o seu rosto e tentou beijar a sua boca, mas João Victor interrompeu:

– Chega! Chega! Daqui a pouco tá todo mundo falando!

Eles sorriram e ela respondeu:

– Deixe que falem. Eu vou aceitar o pedido de casamento.

Ele a beijou de novo.

– Eu te adoro!

– Eu sei.

O filho interrompeu:

– Vamos parar de namoro! Nós ainda temos muito trabalho, viu Aparício!

– Está certo, João Victor. Vamos trabalhar!

Eles passaram a manhã cuidando da ração. Na hora do almoço, Aparício foi convidado para sentar à mesa com a família e ali o pedido de casamento foi formalizado.

À tarde, os homens foram para o pasto e Maria Isabel foi para o laboratório.

No final da tarde quando o trabalho no pasto acabou Aparício foi até o laboratório.

Quando ele entrou, ela desabafou.

– Nossa! Pensei que não fôssemos conseguir ficar sozinhos hoje!

Eles se abraçaram e se beijaram calorosamente. Ele começou a deslizar a mão por todo o seu corpo.

– Para! Não!

Ele se afastou e sorriu. Ela estava um pouco excitada.

– O que deu em você?

– É a paixão! Esse sentimento primitivo que está me dominando.

– E as energias?

– As energias são fabulosas! Mas a vontade que eu tenho de te tocar é maior!

Ela sorriu e os dois se sentaram como dois namorados.

– Que estória é essa de casamento?

Ele coçou a cabeça, beijou as mãos dela e respondeu:

– Seu pai. Bem, o seu pai não é bobo. Ele nos viu abraçados na noite em que Seu José morreu e é claro, concluiu que havia mais do que amizade entre nós.

– Sei. E daí?

– E daí que ele sugeriu que a gente se casasse, ou se eu não quisesse, poderia ir embora hoje mesmo!

Ela franziu a testa.

– E por que você não foi embora?

Ele pensou um pouco.

– Porque eu te amo, Maria Isabel.

Ela gostou da resposta, mas questionou:

– Mas você não vai embora de qualquer jeito?!

Ele se levantou e andou de um lado pro outro da sala.

– Me abrace, por favor!

Ela estava perplexa, mas entendia o que se passava com ele.

Eles se abraçaram. Ele a apertou e seus olhos umedeceram.

– Eu estou totalmente dividido. Já não sei se quero voltar…

– Aparício!

– Eu também pensei em ir vivendo aqui com você até o dia do sinal e aí eu desapareceria do mesmo jeito que eu apareci. Poderiam pensar que eu morri… Não sei.

Ela se afastou. Tinha um ar de preocupação.

– Por que você não contou a verdade pro meu pai?

Ele balançou a cabeça.

– Eu tive medo! Ele não iria acreditar. E pra ter certeza poderia me levar pra um Centro de Pesquisas e aí seria pior.

Eu ficaria preso em estudo o resto da minha vida. E aí, nem você, nem o Mestre, nem o povo de Maniniti. Tudo estaria perdido.

– Você tem razão. Mas que complicação!

Ele a segurou pelos ombros e falou olhando-a nos olhos.

– Olha, eu nunca senti nada parecido com o que eu sinto por você em toda a minha vida! Eu nunca tive uma
família!

Lá em Maniniti, os valores são outros. Parecem mais nobres…

Mas, aqui na Terra, as emoções são muito mais fortes!!

E apesar de eu saber que essas emoções são prejudiciais para a evolução da humanidade eu estou me rendendo a elas, a você e à sua família.

Ela deixou uma lágrima rolar. Ele secou com as mãos.

– Aparício, eu gosto tanto de você! Tanto! Mas eu não quero ter esperanças. Me deixe pensar que você vai embora.

Eu não vou conseguir viver de ilusão. Quando o sinal chegar, você vai e pronto! Eu vou dizer e vou acreditar que você morreu.

Ele a abraçou de novo.

– Está bem! Vamos viver juntos até virem me buscar.

– Eu te amo!

Eles se beijaram e João Victor apareceu.

– Mãe! O jantar está na mesa! Agora vocês vão ficar o tempo todo se beijando?!

Eles riram e ela abraçou o filho.

– Não. Só de vez em quando!

O rapaz continuou:

– Então, vamos?

– Vamos!

Ela saiu com João Victor e Aparício foi jantar com a

Dona Olívia.

 

Capítulo 13

 

Chegou o dia da viagem do João Victor.

Seu Ambrósio estava muito triste e Dona Madalena também.

Maria Isabel sabia que iria sentir a falta dele, mas também sabia que poderia vê-lo nos finais de semana na capital ou mesmo na Fazenda.

O rapaz estava ansioso e apreensivo.

Eles tomavam café.

Seu Ambrósio e Dona Madalena resolveram levar o neto até a capital.

Maria Isabel riu e comentou:

– É, meu filho, você vai chegar à Universidade com o vovô e a vovó.

– Não faz mal! Já sou caipira mesmo!

Eles riram e João Victor perguntou:

– E você mãe? Não vai?

Ela balançou a cabeça.

– Eu irei em outra ocasião.

– É. Vai ficar aí sozinha com Aparício?

Ela sorriu e abraçou o filho.

– Deixe de ser ciumento!

Eles terminaram o café e Seu Ambrósio comentou:

– Bem lembrado. Eu vou falar com Aparício antes de sair.

Ele saiu e Dona Madalena comentou:

– Acho que o seu pai pensa que você ainda é uma adolescente.

– É. É capaz de mandar a Dona Olívia vir dormir comigo.

Elas riram e João Victor comentou:

– Mas é preciso mesmo! Você não pode ficar sozinha nessa casa! E depois o Aparício fica te agarrando o tempo todo!

– Ah! Meu filho, um dia você vai se apaixonar e vai agir do mesmo jeito.

Eles conversavam e Seu Ambrósio entrou na sala.

– Vamos!!

Eles pegaram as malas e se dirigiram para o avião.

Maria Isabel abraçou o filho e se emocionou, mas não quis chorar.

– Vá, meu filho. Eu te adoro!

Ele abraçou a mãe apertado e lhe deu um beijo na bochecha.

Depois se despediu do Aparício com um abraço caloroso.

– Se cuide bem lá na capital!

– E você cuide da nossa Fazenda e da minha mãe!

Ele sorriu.

Seu Ambrósio e Dona Madalena deram um breve” adeus”.

Dona Olívia também se despediu e o avião levantou vôo.

Aparício se sentia responsável por aquela gente.

Ele tinha um carinho enorme por João Victor e maior ainda por Dona Olívia.

Eles voltavam pra casa.

Maria Isabel estava calada.

– O que há?

Os seus olhos estavam vermelhos. Ela não conseguiu responder e começou a chorar.

Dona Olívia pediu que Aparício voltasse ao trabalho.

– Vá, meu filho! Deixe que eu fico com ela.

Ele lhe deu um beijo na testa e saiu.

Elas conversaram sobre o Seu José e o João Victor.

Aparício foi trabalhar pensando em sua nova família.

Ele tinha chegado a esse planeta primitivo, de sentimentos primitivos, hábitos primitivos, onde se matava pra comer, por prazer, por ódio e vingança. Onde a família cultuava um amor egoísta. Existia uma divisão de raças, de nível social e cultural. Uma divisão em cidades, estados, países e continentes.Tudo era mal dividido. A propriedade, o dinheiro e até mesmo o amor.

Quando ele estava em Maniniti, tudo isso parecia tão horrível! Essa civilização parecia não conhecer o amor verdadeiro. O amor divino! Mas estando na Terra, vivendo com essa gente e amando como ele estava amando, esse modo de viver não parecia tão afastado de Deus.

Aparício estava gostando de viver a vida que estava vivendo, mas quando se lembrava do seu Mestre, da sua gente o seu coração apertava.

Ele tinha cumprido a sua missão e só lhe restava voltar e testar a nova erva. E depois voltaria a viver com pensamento em Deus, na fraternidade e no trabalho.

O dia passou…

Ele não foi ver Maria Isabel.

Preferiu deixá-la com o pensamento no seu filho.

Dona Olívia passou o dia e a noite com ela na casa grande.

Na manhã seguinte ele foi cedo tomar café com as duas.

– Bom dia!

Dona Olívia o recebeu.

– Bom dia, meu filho! Senta que ela já vai descer!

Logo ela desceu e sorriu ao vê-lo na mesa esperando por ela.

– Que bom te ver aqui logo cedo!

Ele se levantou e os dois se abraçaram.

– Senti a sua falta ontem, mas achei que você queria ficar sozinha.

Ela se sentou.

– Pensou bem. Eu precisava pensar na minha vida e em João Victor.

Dona Olívia serviu o café e voltou pra cozinha.

Os dois ficaram conversando. Quando acabaram foram trabalhar.

Passaram uma parte da manhã andando pela Fazenda.

Aparício com a peonada e ela com os animais.

O sol estava quente. E o calor era quase insuportável.

– Que tempo quente faz aqui na Terra!

– É verão e estamos nos trópicos!

– Pois é, em Maniniti a temperatura é de primavera o ano inteiro. Tudo é ameno e harmônico.

– Você tem pensado muito no seu planeta?

Ele a olhou com o canto dos olhos.

– Eu tenho pensado muito em você.

Ela sorriu sem jeito. Ele a puxou pela mão.

– Vem cá!

– Onde?

– Vem comigo!

Os dois andaram a pé por mais de cinco quilômetros até chegarem a uma gruta.

– Aparício! Você é louco?! Esta gruta está abandonada há séculos!

– E daí?

– E daí que ninguém vem aqui. É perigoso!

– Perigoso por quê?

– Devem ter morcegos, cobras, doenças… Não sei!

Ele sorriu.

– Confie em mim. Eu já vim aqui várias vezes. Tem todos os mesmos bichos da mata. E tem um rio aí dentro de água clara e límpida, com uma areia maravilhosa! Em cima da gruta tem uma abertura. A concentração de energia cósmica e telúrica aqui é muito grande!

Ele a segurou pela mão e os dois se aprofundaram na gruta. Andaram uns cinco minutos no escuro.Maria Isabel tremia de medo. Até que chegaram às águas claras e mornas do rio.

Ela exclamou:

– Que lindo!!

Eles olharam para cima e o sol estava penetrando pela abertura.

Eles estavam suados e cansados. Logo que chegaram a areia se despiram e mergulharam.

Assim que se refrescaram, se abraçaram, se beijaram e se amaram.

Depois continuaram deitados na areia úmida olhando o céu azul.

– Você sente a paz, Maria Isabel?

Ela relaxou, fechou os olhos e respirou devagar como se quisesse fazer parte daquela natureza bela e infinita.

De repente, ela começou a sentir o seu corpo flutuar e se afastar dela mesma, como se a alma tivesse saído do corpo físico. Ela subiu como um balão de gás e saiu da gruta e foi subindo muito rapidamente.

Ela se assustou com o que estava acontecendo e logo voltou ao seu corpo que estava deitado ao lado do Aparício.

Ela retomou a consciência.

– Que loucura! O que aconteceu?!

Ele a acariciou.

– Você teve consciência da sua alma! Ou melhor. Do seu corpo energético, etéreo. Esse corpo nunca morre. Ele é energia e é ele que carrega as experiências de todas as nossas vidas.

– Mas eu tive medo. Pensei que estivesse morta ou morrendo.

Ele a abraçou e beijou a sua testa.

Não tenha medo. O que você começou a fazer foi uma viagem astral. Se não tivesse medo poderia ter ido a qualquer parte do Universo.

– Isso me assusta. Às vezes, você me assusta.

Ele riu.

– Você tem medo de mim?

Ela ficou sem jeito.

– É. Não sei. Às vezes fico pensando que você não é real.

É tudo tão absurdo!

Ele segurou a mão dela.

– O que eu sinto por você é bem real.

Eles se abraçaram e ela perguntou:

– Por que você me trouxe aqui?

– É neste o local que terei de estar quando vierem me buscar.

Ela ficou séria.

– Bem escondido e bem bonito!

Ele acariciou a sua cabeça.

– Eu queria que você soubesse, porque a concentração de energia aqui é tão grande que eu vou poder me comunicar com você lá de Maniniti e…

Ela interrompeu:

– Aparício, vamos combinar o seguinte. Não vamos mais falar em despedida. Quando você tiver que ir, vá. É melhor a gente saber que acabou. Você me esquece e eu te esqueço. Eu não vou ficar tentando me comunicar com um homem de outro planeta! Vão pensar que eu enlouqueci. E eu posso acabar enlouquecendo mesmo!

Ele se sentou chateado.

– Eu pensei que a gente pudesse se falar, se ver, se sentir.

– Como?!

– Assim! Fazendo viagem astral!

– Aparício, você me ensinou e me ensina a cada dia coisas incríveis! Eu adoro! Mas eu nunca vi, nem em filmes, amor interplanetário. É demais pra minha cabeça!

– Maria Isabel, se você praticar vai conseguir! E você vai ver o mundo com outros olhos!

Ela pensou.

Ele passou as mãos em suas costas nuas.

– Eu não quero uma vida de ilusão pra mim. Eu quero estar perto de você. Eu quero sentir você!

– E se você fosse comigo pra Maniniti?

– Seria uma loucura maior!

Ela se levantou e caiu na água. Ele foi atrás.

– Por que não?

– Meu Deus! Como eu vou deixar os meus pais e o meu filho?!

– E eu? Você não se importa de me deixar?!

Ela engoliu a saliva.

– É diferente! Desde o início eu sei que você vai embora!

Ele se irritou e bateu na água.

– Eu não quero me separar de você!

Ela o abraçou.

– O Universo é tão grande, Maria Isabel! É tão bonito e harmonioso! Você é tão melhor! Por que viver limitada?

– Porque eu me sinto feliz aqui com a vida que eu tenho!

– Sente agora. Não sentia antes.

Ela passou a mão na cabeça.

– Verdade! Você está mudando a minha vida.

– Agora o seu brilho é outro!

– Deve ser porque eu estou apaixonada!

– Eu também estou apaixonado.

– Então fique!

Ele a beijou desesperadamente e os dois rolaram outra vez na beira do rio.

A hora do almoço passou.

De repente Aparício se deu conta de que Dona Olívia deveria estar esperando os dois para o almoço.

– Acho melhor a gente ir!

– Nossa, já é tarde! Vamos!!

Eles se vestiram e saíram.

Foram caminhando, brincando e namorando.

Quando chegaram em casa, Dona Olívia os esperava preocupada, e foi falando com Aparício.

– Você já não é mais criança! Como é que me deixa com o almoço pronto?!

– A gente perdeu a noção da hora.

Ela olhou os dois molhados.

– Sei. Os dois aproveitaram que nem Seu Ambrósio nem a Dona Madalena estão aí.

– Desculpe, Dona Olívia, é que…

– Não precisa explicar! Já vi que foram namorar na beira do rio. Dois adultos e no horário de trabalho. O seu pai está bem arranjado com esse administrador! Agora vão se arrumar que eu vou requentar o almoço!

Eles obedeceram como dois adolescentes e logo estavam arrumados e sentados à mesa para o almoço.

 

Capítulo 14

 

A noite passou.

Maria Isabel quase não dormiu olhando as estrelas.

Pensou no Universo. A harmonia do Universo. O amor pleno do qual Aparício tanto falava.

Ela se sentia diferente, mas não queria mudar demais a sua vida.

O seu pensamento era aproveitar aquele amor enquanto ele não partisse.

Já Aparício dormiu bem e feliz.

No dia seguinte tomaram café cedo e foram para o trabalho.

Já estava quase na hora do almoço quando Seu Ambrósio e Dona Madalena chegaram.

Quando Maria Isabel ouviu o barulho do avião saiu correndo ao encontro deles.

Eles desceram e ela já foi perguntando pra mãe.

– E o João Victor? Ficou bem?

– Você não quis ir, mas ficou aqui desesperada!

– Fiquei ansiosa!

Eles caminharam até a casa.

Seu Ambrósio comentou:

– Meu neto se portou como um verdadeiro homem! Ele vai ficar muito bem!

– Ah! Que bom!

Aparício logo chegou pra cumprimentar os futuros sogros.

– Bom dia!

– Bom dia, Aparício! Está tudo em ordem?

– Tudo em ordem, Seu Ambrósio.

– Então vamos beber um conhaque comigo antes do almoço.

Os dois entraram no escritório e elas foram pra cozinha conversar com a Dona Olívia.

– Estou vendo que vocês ficaram bem!

– A Dona Maria Isabel ficou um pouco amuada, mas foi melhorando.

– Fiquei mesmo. Mas João Victor sempre saiu com a comitiva e eu sempre soube esperar. Resolvi pensar que ele está em mais uma comitiva e que na próxima semana iremos nos encontrar.

– E irão mesmo!

– Por quê?

– Porque na próxima semana já é o dia do seu noivado.

Você esqueceu?!

– É. Meu noivado.

Maria Isabel não parecia tão entusiasmada com o noivado e as duas perceberam.

– Às vezes eu penso que você não gosta do Aparício, minha filha!

– Gosto. Gosto muito!

Dona Olívia mexia as panelas.

– Então por que esse descaso?

– Não é descaso. É que, na verdade, eu não queria me casar assim tão depressa. Eu queria namorar mais, não sei.

Não queria esse compromisso agora.

– Ele parece mais empenhado que você.

Ela sorriu.

– Ele é muito bom. Ele quer fazer tudo certo. Meu pai o pressionou. Não precisava nada disso.

– Claro! Se…

A conversa foi interrompida pela entrada dos dois na cozinha.

Seu Ambrósio entrou falando:

– Já está tudo acertado! No sábado que vem, à noite, nós faremos um jantar de noivado!

As três se olharam.

– Muito bem, meu pai!

Aparício completou:

– E na próxima semana já iremos até a capital para darmos entrada nos papéis para o casamento!

Ela arregalou os olhos e ele percebeu a sua surpresa.

– Está tudo bem com você?

Ela apertou a mão dele.

– Claro! Logo estaremos casados!

Dona Olívia comentou:

– Quem sabe, com o casamento, vocês dois tomam vergonha e param de ficar se agarrando aí pela Fazenda!

Dona Madalena completou:

– Não fica nada bem pra você, não é Maria Isabel?

Os dois riram e o jantar foi servido.

Todos se sentaram e durante a refeição comentaram como seria o noivado.

Seria um jantar simples pra poucas pessoas, devido à proximidade da morte do Seu José.

A semana passou devagar.

Seu Ambrósio voltou a ter mais contato com a Fazenda enquanto ensinava Aparício.

Maria Isabel continuava fazendo o seu trabalho de controle das vacinas e ração dos animais e à tarde ia para o laboratório.

Ela e Aparício se encontravam à noite na hora do jantar e ficavam juntos um pouco depois.

Dona Madalena se preocupava com todos os detalhes do jantar de noivado acompanhada da Dona Olívia.

Era sábado, dia do jantar de noivado.

Após o café da manhã todos foram continuar as suas atividades até que ouviram o barulho do avião.

Era João Victor que chegava cedo para a festa.

Maria Isabel correu para a pista louca para abraçar o filho.

– Que bom te ver, mãe! Eu estava morrendo de saudades!

– Eu também!

Ela respondeu com os olhos umedecidos.

Logo Seu Ambrósio e Dona Madalena chegaram pra abraçar o neto.

Aparício também apareceu e comentou:

– Estou sentindo a sua falta aqui no trabalho!

Eles se abraçaram.

– E quando vai ser esse casamento?

– Daqui a uns dois ou três meses.

– Que demora! Porque vocês não casam logo?!

Seu Ambrósio interferiu:

– Não fica bem. Temos que esperar mais um pouco.

– Que coisa, vô!

Eles entraram na casa.

João Victor foi cumprimentar Dona Olívia.

– Oi!

– Oi, menino!

– Tô morrendo de saudades da sua comida!

– Eu estou caprichando pra você!

Eles voltaram para a sala, almoçaram e passaram a tarde descansando para o jantar.

E assim o dia passou.

À noite todos se aprontaram com as suas melhores roupas para o jantar.

Maria Isabel colocou um vestido simples, se penteou diferente, colocou jóias, batom e maquiagem. Escolheu um bom perfume e desceu.

Aparício ficou surpreso e encantado ao vê-la.

– Nossa! Como você está linda!

Ela sorriu sem jeito.

– Você também está muito bonito!

Eles se beijaram e Dona Madalena chamou.

– O jantar está servido!

Todos se levantaram e foram para a mesa. Maria Isabel e Aparício ficaram por último.

Ele comentou em seu ouvido.

– Agora eu sei o que é ciúme.

– Que coisa! Você não para de me olhar. Parece que nunca viu uma mulher arrumada.

– Eu nunca olhei pra uma mulher e a vi como uma mulher, assim como estou te vendo agora.

Ela o abraçou e comentou:

– Queria que o tempo parasse neste momento.

Ele beijou a sua testa.

– Não pense no tempo. Pense em nós dois. No nosso amor.

Ela apertou as mãos dele e os dois foram para a mesa.

Todos já estavam sentados.

Seu Ambrósio na cabeceira. Dona Madalena à sua direita, João Victor à sua esquerda, Maria Isabel ao lado do filho e Aparício ao lado dela. O padre na outra cabeceira e Dr. Antônio ao lado de Dona Olívia.

Eles se serviram e conversaram.

O padre começou:

– Sabe Aparício, você deve se sentir orgulhoso por ser aceito pela família Castro Moura! Essa família possui história aqui neste Estado!

– Eu sei, padre. Eu me orgulho muito! E não só pela família que me adotou, mas principalmente por me sentir amado pela Maria Isabel!

Ela sorriu e ele beijou-lhe as mãos.

João Victor comentou:

– Esse homem está apaixonado mesmo!

Seu Ambrósio completou:

– Eu fico feliz em ver a minha filha com um verdadeiro homem ao seu lado. Um homem que gosta de trabalhar com a terra, com os animais, com a natureza e com as pessoas!

Sabe, Aparício, o meu pai me ensinou que um verdadeiro líder tem que saber fazer o que o empregado dele faz. E deve saber se comportar entre os pobres, entre os ricos e os magistrados com a mesma dignidade. E isso eu observo em

você desde o dia que você chegou aqui nas nossas terras! É assim que se reconhece um grande homem!

Aparício agradeceu e comentou:

– Eu sei que ainda tenho muito que aprender, e vou continuar me esforçando.

Dona Madalena se pronunciou:

– Eu também estou muito feliz com esse noivado e o futuro casamento, porque acho que logo, logo a nossa família vai aumentar!

Todos riram.

Maria Isabel e Aparício se olharam e o Dr. Antônio interferiu:

– Então vamos brindar!

– Viva os noivos!

Todos ergueram as suas taças e brindaram.

– Viva!

 

Capítulo 15

 

Os meses passaram rapidamente.

João Victor continuava na capital cursando a faculdade.

Ele estava sempre retornando à Fazenda nos feriados e finais de semana.

Maria Isabel vivia enamorada.

Aparício continuava trabalhando bastante e já havia até saído com uma comitiva e cumprido todos os negócios sem problemas.

Seu Ambrósio estava entusiasmado com ele.

Dona Madalena sonhava com o casamento da filha.

Dona Olívia se distraía com o movimento da casa durante o dia e, à noite, tinha Aparício pra conversar, se preocupar e cuidar. Chegou o dia do casamento.

A Festa foi um acontecimento! Começou pela manhã com a Missa.

Maria Isabel usou um vestido branco bem simples. Na cabeça um arranjo de flores do campo combinando com o
buquê.

Estava muito bonita e irradiava alegria e amor.

Aparício parecia uma criança. Tudo era novo e diferente pra ele. Ele estava fascinado com o acontecimento.

João Victor estava muito bem vestido e muito charmoso. E já começava a ter um comportamento de adulto.

Dona Madalena também estava linda!

Seu Ambrósio estava muito feliz e Dona Olívia estava muito emocionada!

Após a Missa que foi realizada na capela da Fazenda, todos foram para o campo onde as mesas estavam arrumadas para o almoço.

Após o almoço houve um rodeio e depois muita música e dança!

Foi uma festa maravilhosa!

Havia convidados de todas as cidades vizinhas e que compareceram para prestigiar os noivos.

Todos comeram, beberam e dançaram até cansar.

Já era madrugada quando tudo acabou.

Aparício e Maria Isabel resolveram não fazer a viagem de Lua – de – Mel e iriam passar a noite juntos no quarto dela.

Ele foi se despedir da Dona Olívia.

– Que festão!

– É, meu filho, casamento de uma Castro Moura!

– E a senhora se divertiu um pouco?

Eles se sentaram.

– Um pouco! Mas senti saudades do meu velho. Ele sim teria se divertido muito!

– Eu nunca me diverti tanto! A minha esposa estava linda, não estava?

– Muito mais bonita do que na primeira vez!

– É mesmo?!

– O Seu Ambrósio não gostava do Dr. Fausto e a festa foi bem mais modesta.

– Que pena! Ela deve ter sofrido muito com esse problema entre o marido e o pai.

– Sofreu! Seu Ambrósio e Dona Madalena também sofreram. Só melhorou depois que o João Victor nasceu.

– Bendito João Victor!

– Você já levou todas as suas coisas?

– Já. Só vim ver se a senhora vai ficar bem.

– Eu vou sentir a sua falta, mas sei que estará com uma companhia melhor.

Ele riu.

– Estarei logo ali.

– Eu sei. Vá dormir com a sua mulher. Eu vou me acostumar.

Ele abraçou a senhora, deu -lhe um beijo e foi para o quarto da sua esposa.

Maria Isabel arrumava a cama. Ele se deitou de costas e de braços abertos.

– Ah! Que cama boa e cheirosa como a dona!

Ela se deitou sobre ele e lhe deu um beijo no rosto. Aparício a abraçou.

– Que bom estar aqui com você. Neste quarto, nesta cama e com esta paz!

Ela fechou os olhos e aproveitou um pouco aquele momento em silêncio. Logo em seguida falou:

– Eu estou muito cansada. Vou tomar um banho e dormir.

Ele também se levantou.

– Boa ideia!

Eles tomaram banho juntos e não resistiram ao corpo um do outro e acabaram namorando no banheiro.

Depois do banho demorado, se vestiram e foram para a cama.

Aparício se deitou e Maria Isabel foi até a janela olhar a lua e as estrelas.

Ela ia começar a fazer as orações pra agradecer quando viu o sinal.

As estrelas piscavam verde e vermelho e repetidamente.

Maria Isabel perdeu a voz. Ela sentiu um frio na barriga. Havia chegado a hora. Era o sinal.

Ela sabia que eles estavam vindo buscar o seu marido.

Ela havia esquecido. E agora, logo agora que eles estavam mais apaixonados, ele teria que voltar para o lugar de onde havia saído.

Aparício se mexeu na cama.

– Você não vem?

Ela não respondeu. Olhava as estrelas.

Ele se sentou na cama.

– Por que você não vem? O que houve?

Ela o olhou tristemente.

Ele se levantou e foi até ela.

– Maria Isabel?! O que foi?!

Ela olhou o céu e ele acompanhou o seu olhar e viu as estrelas.

– O sinal?!

Ele se surpreendeu.

– E agora?! O sinal?!

Ele deixou a janela e voltou até a cama. Sentou-se na ponta e abaixou a cabeça.

– Que horas são?

– Duas horas da manhã?

Ela respondeu quase sem voz.

– O transporte será por volta das seis horas. Eu tenho que chegar à gruta com as plantas, os pós e as cópias.

Ela não saía da sua posição. Olhava as estrelas.

Ele estava inquieto.

– Me ajuda, Maria Isabel! O que é que eu faço?!

Ele começou a se vestir como se estivesse hipnotizado.

Era a sua missão e ele tinha que cumprir.

Havia chegado a hora de voltar e levar o remédio para tentar adiar a morte do Mestre até o dia previsto. Assim acontecia com todos em Maniniti e assim tinha que acontecer com ele.

Aparício pegou uma mochila com tudo que deveria levar.

Maria Isabel parou de olhar a noite e passou a observar a movimentação dele. Em quinze minutos Aparício já estava
pronto.

Ele olhou pra ela.

– Já estou pronto. Tenho que ir.

Ela encheu os olhos d’água. Ele percebeu o seu sofrimento e a abraçou. Ela se afastou.

– Vá, Aparício. Faça o que a gente tinha combinado.

Simplesmente vá.

Ele respirou fundo, enxugou os olhos e falou.

– Eu vou, Maria Isabel. Mas eu te amo! Eu vou voltar.

Ela deixou que as lágrimas caíssem sem parar. Ele a abraçou e chorou com ela.

Ela enxugou os olhos nervosamente.

– Vá logo, Aparício! Por favor?

Ele saiu sem que ninguém percebesse. Ela acompanhou a sua sombra na noite até onde os olhos puderam alcançar.

Depois, saiu da janela, se deitou e chorou até dormir.

Aparício foi caminhando guiado pelo sinal das estrelas até a gruta. Sua cabeça estava confusa.

Ele havia passado quase um ano no planeta Terra. Quase um ano de convivência com aquela gente do interior, com aquela família e com aquela mulher.

Que força tamanha que o amor exercia sobre as pessoas!

Ele seria capaz de esquecer todo o seu passado por Maria Isabel, mas não poderia agir movido por uma paixão terrena. Ele sabia que a paixão passaria e que restaria o amor fraternal. O amor ideal. O amor que existia em Maniniti e através do qual as pessoas se aproximavam de Deus. O amor que iluminava!

O Mestre ficaria feliz por ele! E as pessoas do Conselho estariam seguras por terem escolhido a pessoa certa para a missão.

Aparício respirava o ar daquela terra com cheiro de mato e água fresca e tentava adquirir energia e força para voltar.

Ele chegou à gruta por volta das quatro horas da manhã. Entrou, se sentou na areia e começou a entrar em sintonia com o Universo. E ao fazer isso conseguiu se comunicar com Maniniti.

Lá na sala do Conselho, todos entenderam que ele estava bem e que levaria consigo a planta que poderia retardar a passagem do Mestre.

Eles comemoraram a boa notícia.

– Barum47 cumpriu a missão!

– Com certeza a planta será eficaz!

– E o Mestre fará a passagem no dia marcado!

Os membros do Conselho conversavam. Eram homens e mulheres idosos, sábios e com grande capacidade de amar.

– Vamos conseguir manter a tradição do conhecimento do dia da morte.

– O amor infinito conspira a nosso favor! E por isso Barum47 conseguiu encontrar a planta.

– Pois é. A Terra é um planeta rico. Possui todos os recursos pra uma vida saudável. Mas a ignorância e arrogância do povo fazem com que eles vivam em sua maioria com fome e na miséria.

– Barum47 deve ter muitas coisas pra nos contar sobre esse período que ele passou naquele planeta.

– Nós já adquirimos muitos conhecimentos sobre vários planetas de planos inferiores, mas o que sabemos sobre a Terra é o que lemos em livros antigos.

Agora teremos uma experiência viva!

– É! Sempre que mandamos um de nós, a nossa compreensão sobre o porquê do atraso espiritual deles aumenta.

Eles conversavam entusiasticamente enquanto preparavam a desintegração e a viagem de Barum47.

Na Terra…

Aparício se concentrava e tentava adquirir o máximo de energia.

As horas passaram.

Ele pensou em sua vida terrena.

Lembrou o dia em que foi encontrado na beira do rio.

Lembrou quando Maria Isabel lhe deu a erva forte pra cheirar. Logo que a viu sentiu uma enorme empatia por ela. Ela, a pessoa com quem deveria fazer contato para alcançar o seu objetivo. Ela que se tornou sua professora, sua mulher e sua amada.

Ele chorou de saudades.

Com o seu retorno a Maniniti, sua vida mudaria completamente, mas a dela não.

Ele pensou em Dona Olívia, sua mãe na Terra. Que grande alma ela possuía!

E o Seu José? Fez a passagem tão cedo. Mas quem sabe ainda voltaria para aquela gente.

João Victor. Tão menino! E com tudo pra aprender e ser um grande ser.

Seu Ambrósio muito terreno. Muito materialista. Mas era justo.

Dona Madalena submissa…

E Maria Isabel. Ela era tão melhor que eles! Parecia que tinha nascido no planeta errado. Tinha sido tão fácil conviver com ela! Parecia que eles já se conheciam há anos!

Talvez já tivessem vivido muitas vidas juntos. Talvez já tivessem compartilhado muitas emoções turbulentas. E dessa vez eles tiveram a chance de viver em paz, com amor, mesmo que tenha sido por pouco tempo.

Chegou a hora.

Ele se preparou e ficou na posição indicada para a desintegração.

 

Capítulo 16

 

O dia amanheceu.

Maria Isabel dormiu muito pouco. O seu rosto tinha um ar de cansado e estava com olheiras de tanto chorar.

A manhã estava quente e ensolarada, mas ela sentia frio.

Logo que se levantou foi até a janela. Mas o sol estava forte e ela não conseguiu ver as estrelas ou algum outro sinal.

A vida na Fazenda já voltava ao normal.

Ela sentou na janela e passou as mãos em seus próprios braços, como se quisesse se proteger do frio.

Ela ficou sentada olhando o movimento.

Seu pensamento era confuso e só Aparício fazia parte dele.

Depois de alguns minutos, andou pelo quarto, mexeu nas coisas dele e resolveu não chorar mais.

Foi até o banheiro, lavou o rosto e ao se olhar no espelho viu como estava triste e cansada. Então resolveu encher a banheira para relaxar.

Enquanto esperava, ficou pensando no que dizer aos seus pais. Não conseguia pensar em nada convincente, pois não havia motivo pra ele ter saído cedo justo no dia do seu casamento.

Se contasse a verdade iriam pensar que ela estava insana. Talvez fosse melhor se fazer de vítima e abandonada.

Diria que ele sumiu da mesma forma que apareceu.

Ou então desceria para o café e diria que Aparício tinha resolvido ir trabalhar cedo e mais tarde ele não voltaria para o almoço e todos iriam concluir que ele teria fugido.

Ela teria que ser forte pra suportar os comentários maldosos que fariam a respeito dele!

Ela tentava buscar forças pra aguentar aquele dia.

A banheira encheu, ela colocou espumas, entrou e se deitou. Estava relaxando quando ouviu baterem na porta.

Ela gritou:

– Entre!

Era João Victor.

– Mãe!

– Estou aqui na banheira!

Ele entrou e lhe deu um beijo na testa.

– Ainda tá aí?

– Estou relaxando. O dia de ontem foi muito cansativo!

Ele olhou em volta.

– Cadê o Aparício?

– Saiu cedo.

– Já?!

– É. Ele deve estar por aí.

– Dona Olívia disse que ele não tomou café.

– Não?! E você?

– Eu vim te chamar. Vovô e vovó estão na mesa.

– Tá. Eu já estou indo. Mas porque vocês já estão na mesa tão cedo?

– Mãe. Já são mais de seis horas! E eu já vou voltar hoje.

– Já, meu filho?!

Ele ficou olhando pra ela.

– Mãe, você não sabia?

Ela se levantou e se enrolou na toalha.

– Sabia, mas não estava pensando nisso.

– Sei!

Ele a olhou com o rabo do olho.

– Estava pensando no seu marido.

Ela sorriu e abraçou o filho.

– Estava. Mas você sempre foi mais importante pra mim do que qualquer outra pessoa!

Ele ficou feliz. Ela se vestiu e os dois desceram.

Seu Ambrósio comentou:

– Pensei que você não fosse descer tão cedo!

– E eu posso descansar com esse menino em casa?

Todos riram.

– E Aparício?

– Acho que saiu cedo. Quando eu acordei, ele não estava mais no quarto.

Os pais dela se olharam.

– Saiu cedo?!

– É, pai! Eu estou dizendo que nem vi de tão cansada que eu fiquei com toda aquela festança!

Ela começou a comer como se estivesse tudo bem. Dona Olívia serviu a mesa.

– Bom dia, Maria Isabel!

– Bom dia!

Eles continuaram no café e Seu Ambrósio comentou:

– João Victor vai embora hoje. Você quer levá-lo ou prefere que eu vá?

Ela olhou pro filho.

– Eu prefiro levá-lo. Mas se o senhor quiser poderemos ir todos!

Ele sentia que alguma coisa estava errada com a ausência de Aparício no primeiro café da manhã após o casamento, mas resolveu esperar.

– Não! Se você vai, eu fico.

– Oba! Mãe, que legal! Assim você vai conhecer a faculdade e o lugar onde eu estou morando!

O avô ficou quieto e Dona Madalena comentou:

– Seu avô vai ficar com ciúme!

– Claro que não! É que a minha mãe andou tão ocupada com esse casamento que esqueceu um pouco de mim.

Ela sorriu.

– Bobo! Você sabe que eu te adoro!

Eles tomaram café e em seguida começaram a se preparar para a viagem.

Dona Madalena comentou:

– Não é melhor você avisar o seu marido?

Ela parou um pouco.

– Ele já sabe. A gente já tinha combinado!

Eles terminaram de se arrumar e foram para a pista pegar o avião.

E como sempre todos foram se despedir do João Victor.

A ausência do Aparício se fazia notar.

Maria Isabel ligou o avião.

Sempre que se ouvia o barulho do avião as pessoas iam ver quem estava saindo ou chegando, e se Aparício estivesse na Fazenda iria se despedir do João Victor.

Eles fecharam as portas e quando ela ia acelerar para decolar o filho comentou:

– Mãe! Olha lá! Aparício vem vindo correndo!

Ela sentiu o seu coração disparar.

– Onde?!

– Ali, mãe! Eu sabia que ele viria se despedir de mim, né?

Ela olhou e viu Aparício surgir correndo. Seus olhos turvaram de lágrimas, mas ela tentou contê-las respirando fundo.

– Para o avião, mãe! Acho que ele está fazendo sinal pra vir com a gente!

Ela parou, desligou os motores e abriu a porta.

Ele entrou e João Victor comentou:

– Oh, cara, pensei que você não viesse se despedir de mim?

– Imagine se eu iria deixar de me despedir de você! E muito menos deixar a sua mãe viajar sem mim! É que eu pensei que você fosse só depois do almoço.

Ele entrou, abraçou e beijou a esposa. Ela não conseguiu conter as lágrimas.

João Victor falou:

– Hei! Hei! Nem parece que vocês passaram a noite juntos! Dá pra dar um tempo?

Eles se olharam. Ela limpou as lágrimas e comentou:

– A gente tinha discutido, por isso ele saiu cedo! Eu pensei que ele não fosse aparecer.

João Victor balançou a cabeça.

– Olha Aparício, eu não sei o que vocês andaram aprontando, mas, eu não quero ver a minha mãe sofrer. Vê se trata dela direito!

Ele balançou a cabeça.

– Não foi nada demais. Eu é que me precipitei. Você sabe que eu amo a sua mãe. E a última coisa que eu quero nesse mundo é vê-la sofrer.

Os dois se abraçaram e o mais novo falou:

– Então vamos, né?!

– Vamos!

Eles se prepararam de novo e o avião decolou.

Seu Ambrósio e Dona Madalena comentaram:

– Aqueles dois brigaram essa noite.

– Deixe que eles se entendam.

Dona Olívia interferiu:

– Não deve ter sido nada demais.

– É verdade! Quando voltarem, a gente fica sabendo.

E assim foi. Eles sobrevoaram o Pantanal e em uma hora estavam na capital.

Pousaram e foram levar João Victor pra o seu apartamento.

Depois almoçaram juntos e foram com ele até a faculdade.

Enfim os dois ficaram sozinhos no restaurante do aeroporto. E só então puderam conversar.

– O que aconteceu? Não vieram te buscar?!

Ele segurou as mãos dela.

– Vieram.

Ela o olhou com amor.

– E você não foi?!

Ele sorriu e beijou as mãos dela.

– Eu tenho que viver com você. Não dá mais pra ter outro tipo de vida.

Ela beijou o marido.

– Eu te amo muito, muito, muito!

– Eu também.

Eles se abraçaram.

– E agora?!

– E agora o quê?

– A sua missão?!

– Eu cumpri. Eles transportaram a minha mochila com as plantas e as cópias das anotações do Fausto e as minhas conclusões.

– O que disseram a você?

– Eu não esperei pra fazer contato. No horário marcado, eu fiz o contato, coloquei a mochila na minha posição e saí do raio de ação da desintegração.

Logo que a mochila desapareceu, eu comecei a caminhar de volta.

– Mas você demorou tanto!

– É longe. Eu estava cansado. Não foi fácil tomar essa decisão!

Ela passou a mão em seu rosto.

– Desculpe!

Ele beijou a mão dela.

– Eu estou disposto a viver o resto da minha vida com você. Neste planeta errado. Eu sinto que se te encontrei aqui, é porque o meu destino estava aqui.

Ela apertou a mão dele.

– Eu te amo. Você não poderia me dar maior prova de amor!

Ele sorriu e os dois se beijaram e se abraçaram. Acabaram ficando na capital para passar a noite se amando e fazendo planos.

Só na manhã seguinte voltaram para a Fazenda, felizes.

 

Capítulo 17

 

Em Maniniti…

Logo que a mochila do Barum47 chegou com as plantas e as cópias, todos se surpreenderam.

A mochila tinha sido transportada sem ele.

– O que teria acontecido?

Os membros do Conselho se perguntavam.

– Será que ele teria sido morto?

– E por que ele não havia se comunicado mais?

Eles estavam aturdidos.

O mais calmo ponderou:

– Vamos esperar a desinfecção do material. Quem sabe há alguma resposta dentro dele.

Eles aguardaram e após o procedimento começaram a retirar o que havia dentro da mochila.

As plantas foram analisadas junto com as cópias e as anotações do Fausto e do Barum47.

Outro grupo ficou procurando uma explicação para a sua ausência. Até que encontraram a aliança de casamento dele com o nome da Maria Isabel.

Eles de início não entenderam, mas uma anciã sabia do que se tratava e falou:

– Ele está bem! Ele se casou com esta moça de nome Maria Isabel. Esta é uma jóia de compromisso e está gravada a data do casamento e o nome dela.

Essa moça era a pessoa com quem ele tinha que se encontrar e com ela aprender a fazer as fórmulas.

Alguém comentou:

– Ele encontrou a planta e aprendeu as fórmulas.

Outra pessoa perguntou:

– O que significa se casar?

A anciã respondeu:

– Na Terra o amor é diferente. É primitivo. As pessoas se casam para ter filhos. É uma espécie de união entre duas pessoas de sexos diferentes pra produzir novos seres humanos e aumentar a população.

– E por que ele teria feito isso?

Ela caminhou e completou o raciocínio.

– Vocês não sentem amor uns pelos outros e não trocam energias?

– Sim.

– Ele deve ter sentido amor por ela. Deve ter trocado energia. Mas, na Terra existe um sentimento parecido, mas mais forte. Chamam de paixão. Esse sentimento é carnal e envolvente. Não cabe em seres evoluídos como nós. Mas, Barum47 certamente experimentou e ficou envolvido.

– E o que vai acontecer com ele?

Os mais velhos se olharam.

– Essa decisão caberá ao Mestre. Assim que ele se recuperar poderá nos orientar melhor de como deveremos agir em relação a Barum47.

As horas passaram.

Naquele dia muita coisa foi dita sobre a Terra.

Falaram de casamento, nascimento, paixão, morte e o modo de vida no planeta.

A notícia se espalhou por todas as comunidades. E o pensamento em relação a Barum47 era de incompreensão. Todos achavam que ele deveria ser resgatado pra que não atrasasse a sua evolução.

Alguns dias se passaram até que eles conseguiram preparar a medicação na dose ideal para ser usada no Mestre. Logo que conseguiram começaram o tratamento.

O Mestre estava muito cansado e debilitado.

Ele era um ancião de extrema bondade em seu coração.

E estava disposto a fazer a passagem antes do dia determinado, mas sabia que seria de muita importância para o povo de Maniniti que esse dia e essa hora determinada desde o nascimento fossem respeitados. Por isso permitiu que a missão fosse realizada.

Todos o adoravam!

Após algumas semanas ele começou a apresentar uma pequena melhora.

Todos ficaram muito felizes com a possibilidade de sua recuperação.

Quando melhorou perguntou por Barum47.

Os presentes o informaram o que havia acontecido.

Ele meditou por um tempo e exclamou:

– É. O amor terreno! A paixão! Barum47 não seguiu as nossas orientações. Ele acabou se contaminando pelos sentimentos e hábitos da Terra. Que ingenuidade!

Quanto tempo ele ficou lá?

– Menos de um ano terreno.

– Talvez ele não estivesse preparado como nós imaginávamos.

Outro ancião interferiu:

– Mestre, ele cumpriu a missão, encontrou a planta certa, estudou as suas propriedades, desenvolveu a dosagem, nos enviou o que lhe foi pedido e está funcionando.

– Você tem razão! Ele fez um bom trabalho!

O Mestre falava pausadamente e todos prestavam atenção emitindo ondas de energia para melhorar a sua saúde.

Ele continuou:

– Mas emocionalmente ele falhou.

Ele é muito amoroso. Deve ter encontrado pessoas boas na Terra.

Outro ancião comentou:

– Agora nós não sabemos que atitude tomar. O povo não entende como um homem de Maniniti, que já está bem mais próximo do amor divino do que a Terra, escolheu viver num planeta mais primitivo?

O Mestre fechou os olhos.

– Eu estou cansado. Preciso de mais forças pra decidir sobre esse assunto. Reúnam o Conselho, conversem com as comunidades e me tragam sugestões.

Eles deixaram o Mestre descansar.

Alguns dias se passaram.

Na Terra…

Maria Isabel e Aparício viviam como namorados.

A casa estava mais alegre e a Fazenda ia bem com ele como administrador.

Dona Olívia estava sempre com eles e Aparício ia visitá-la em sua casa com frequência durante a noite e no domingo.

Seu Ambrósio estava muito feliz com o genro e todos os dias o convidava pra beber e conversar no escritório antes do jantar.

Aparício aprendia com facilidade e fazia as negociações com eficiência.

Dois meses se passaram após o casamento e chegou o dia do aniversário do João Victor.

Aparício achava estranho as pessoas comemorarem o dia do nascimento com uma grande festa.

Como sempre a chegada do filho pródigo era um acontecimento!

À noite estavam todos comendo churrasco, ouvindo música e dançando.

Dessa vez Aparício dançou com a sua esposa sem problemas.

Tudo seguia em harmonia.

Os dois dançavam como namorados.

João Victor também quis dançar com a mãe e Seu Ambrósio também quis dançar com a filha.

Ela tanto rodou que ficou tonta.

Ela sentou e Dona Madalena se preocupou.

– O que aconteceu, filha?!

– Acho que dancei demais.

Ela colocou a mão na testa dela.

– Você está suando frio!

– Acho que a minha pressão caiu.

Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça.

Dona Olívia chegou perto.

– Dona Madalena, é melhor levar ela pro quarto.

Elas se levantaram e quando Maria Isabel começou a andar se sentiu enjoada e vomitou no canteiro.

João Victor percebeu o que estava acontecendo com a mãe e chamou Aparício. Os dois correram pra perto delas.

Dona Madalena e Dona Olívia interferiram:

– Deixem que a gente já está levando ela pra casa.

Aparício não obedeceu e a colocou no colo.

– É melhor eu levá-la assim. É mais rápido.

Ele foi andando e todos foram atrás preocupados. Dona Olívia comentou:

– Vocês estão preocupados à toa. Ela só deve estar grávida.

João Victor parou no meio do caminho e voltou pensativo para a festa.

Seu Ambrósio percebeu que ele estava entristecido.

– Está preocupado com a sua mãe?

– Mais ou menos.

O avô abraçou o neto e os dois caminharam.

– Sua avó é muito apavorada. Sua mãe deve ter bebido além do que podia.

– Não, vô. A Dona Olívia falou que ela deve estar grávida.

Ele surpreendeu-se.

– Grávida?! Será?!

O neto sorriu.

– Tá vendo vô? Que presente de aniversário?!

– É, João Victor, você está com ciúmes de um bebê?!

Você já é um homem! Já tem o seu espaço!

Ele baixou a cabeça.

– Eu sei, mas eu estou lá na capital. Esse neném vai chegar e…

Seu Ambrósio bateu nas costas dele.

– Não seja bobo! Daqui a pouco tempo, você também estará se casando e tendo os seus próprios bebês!

-É, vô,o senhor tem razão!

– Vamos lá falar com o Dr. Antônio pra saber se realmente teremos gente nova na família!

Logo o Doutor já estava no quarto com a Maria Isabel.

Aparício estava ansioso. Pra ele gerar uma criança era confuso e engrandecedor. Ele não tinha como explicar o que sentia.

Maria Isabel estava tranquila, mas a família estava agitada.

Dr. Antônio fez o exame clínico, mas não conseguiu confirmar a gravidez. Sugeriu que ela poderia estar com dois meses, porém teria que fazer exame de sangue e Ultrassonografia.

Então ficou resolvido que, no dia seguinte, ela iria até a cidade e faria os exames.

Todos estavam apreensivos e animados.

Maria Isabel estava indisposta. Aparício resolveu deixá-la descansar.

Seu Ambrósio se reuniu com o genro, o neto e com a

sua esposa no escritório.

Ele abraçou Dona Madalena e falou:

– Eu reuni a minha família aqui para fazermos um brinde ao aniversário do meu neto!

Eles brindaram. Ele continuou:

– E outro brinde à vinda de mais um membro da nossa família!

Eles brindaram e Aparício falou:

– Eu agradeço todos os dias por ter vindo parar nas suas terras, Seu Ambrósio. E por ter sido acolhido pela sua família. Essas pessoas tão generosas! Eu só tenho tido momentos de alegria e de emoções novas. A sensação de ser pai é bonita demais e…

Engasgou e João Victor brindou com ele.

– Pode chorar! Todo homem é bobo mesmo!

Ele abraçou o enteado e chorou.

Quando se recuperou ele comentou:

– Espero que esse bebê, sendo menino ou menina, seja tão bom para nós quanto você é!

Eles riram, se emocionaram, conversaram e quando já estava tarde da noite foram dormir.

A festa foi acabando aos poucos e todos foram para as suas casas.

Na manhã seguinte João Victor levou a mãe pra fazer exames e depois já iria para o seu apartamento. Aparício iria às próximas consultas quando já tivesse certeza da gravidez.

Eles saíram cedo, ela fez os exames e logo após o almoço já tinha os resultados que confirmaram a gestação de dois meses.

Ela ligou pro marido. Ele não conseguia se conter de tanta emoção.

– Queria estar aí com você!

– Eu sei. Mas teremos sete meses. Você vai vir sempre.

Eu estou bem e o bebê também.

– Eu te amo!

– Eu te adoro!

– Seu pai está aqui do meu lado querendo falar.

– Um beijo.

– Outro. Tchau!

Ela e João Victor falaram com o Seu Ambrósio e voltaram para o apartamento dele.

O filho comentou:

– Sabe, mãe, nunca pensei que um dia eu fosse ter um irmão.

Ela se sentou no sofá da sala e ele se deitou com a cabeça no colo da mãe.

– Eu e seu pai queríamos mais filhos. Mas só tivemos você. Eu até pensei que tivesse algum problema e que não engravidaria mais. Mas nada como o tempo…

– De repente, o papai é que ficou com algum problema.

– É. Agora não temos mais como saber.

– O Aparício está tão feliz!

Ela sorriu.

– Você nem imagina o quanto!

– Vocês se adoram, não é?

– Hum! Hum!

– Era assim com o meu pai?

Ela olhou o horizonte.

– Era. Só que com o seu pai, tudo foi mais difícil. Seu avô não gostava dele. Fausto não se interessava pela Fazenda. Ele não era rico. Era médico, mas não gostava de atender.

Fazia pesquisa. O seu pai não era de conversa. Não gostava de beber. Enfim, o relacionamento dele com o seu avô era
péssimo!

Mas, quando estávamos só nós dois, tudo ficava bem.

Era um paraíso!

Ele olhava pra mãe admirado.

– E por que vocês foram morar na Fazenda se o vovô não gostava do meu pai?

– Seu pai era um homem muito compreensivo. Ele sabia que eu era filha única. Sabia que os meus pais precisavam da nossa companhia.

– E a família dele?

– Ele tinha uma família muito grande que vivia dispersa pelo Brasil e exterior. Eu os conheci na época da faculdade e depois nos vimos poucas vezes até o casamento e quando você nasceu. Seu pai não ligava muito pra eles.

– E como foi quando você ficou grávida?

Ela sorriu e abraçou o filho. Sabia que ele estava inseguro com a vinda do bebê.

Ela lembrou e respondeu:

– Seu pai ficou tão feliz! E eu me senti tão importante!!

Ele sorriu e ela continuou:

– Os seus avós!! Nossa!! Você pode imaginar! Me mimaram muito! E Dona Olívia e Seu José também! Eles não sabiam mais o que fazer pra me agradar! E quando você nasceu! Meu Deus do céu! Seu avô ficou louco! Era o menino que ele não teve! Você foi muito amado!

– Esse bebê também vai ser muito amado!

Ele beijou a barriga da mãe.

Maria Isabel sorriu e eles se abraçaram.

Ela olhou o relógio.

– Bom, filho, vai ficar tarde! É melhor eu ir.

Os dois se levantaram e se despediram.

– Quando chegar lá me telefone.

– Fique tranquilo. Antes das cinco horas da tarde já estarei na Fazenda.

Ela desceu e foi para o Aeroporto. Lá encontrou o avião preparado e voltou para casa.

 

Capítulo 18

 

Os meses passaram…

A gravidez da Maria Isabel evoluía muito bem e tudo corria em paz.

Aparício admirava e acompanhava a cada mês o desenvolvimento do seu bebê e as mudanças no corpo da sua esposa.

A vida na Fazenda continuava a mesma e Seu Ambrósio tinha mais afinidade com o genro a cada dia.

Dona Olívia e Dona Madalena mimavam a gestante fazendo todos os gostos dela.

João Victor continuava visitando a família nos finais de semana e já fazia novas amizades na faculdade.

Em Maniniti…

O Mestre havia se recuperado bem e resolveu reunir o Conselho.

– Bem, amigos, graças a Deus eu estou bem melhor e podendo desfrutar do convívio de todos! Estamos aqui reunidos a fim de decidirmos o que fazer em relação ao nosso Barum47 . Como todos sabem, ele preferiu ficar no planeta Terra devido a uma grande paixão por uma mulher. Durante esse tempo do meu restabelecimento, eu pedi a todos vocês que me trouxessem sugestões de como agir. Se entenderíamos a sua decisão ou se nos empenharíamos para trazê-lo de volta ao seu verdadeiro lar para que ele possa continuar a sua evolução espiritual em direção ao amor divino.

Todos deram as suas sugestões em ordem hierárquica.

Os mais novos primeiro e por último os anciãos.

Ao final o Mestre comentou:

– Vejo que a maioria optou por nos empenharmos em trazê-lo de volta. E para isso precisaremos enviar outro de nós para a Terra. Este homem terá a missão de convencer Barum47 a voltar.

Alguns interferiram:

– E se o escolhido também preferir ficar?

O Mestre sorriu pacientemente.

– A vida na Terra não é tão sedutora assim. A paixão sim. A paixão é sedutora. Precisaremos escolher um homem mais velho. Um homem que já esteja no estágio do amor altruísta. Que esteja disposto a fazer essa viagem.

O Mestre falava pausadamente.

Eles ficaram um tempo em silêncio meditando.

O Mestre continuou:

– Quem estiver disposto e se julgar capaz de cumprir essa missão pode se apresentar.

Várias pessoas se apresentaram.

Eles foram entrevistados e avaliados pelo Conselho.

O Mestre comunicou:

– Assim que decidirmos quem será o escolhido entre os voluntários, iniciaremos os trabalhos de resgate.

Alguns dias se passaram e um ancião, homem de extrema bondade foi o escolhido para a viagem à Terra.

Eles começaram os preparativos para a viagem.

A preparação era demorada, pois a desintegração e a viagem intergaláctica eram arriscadas.

Na Fazenda…

O tempo passou. Maria Isabel já estava com oito meses de gestação. Ela e Aparício estavam no quarto conversando.

Ele acarinhava a barriga dela.

– Você ficou linda grávida!

Ela sorriu.

– Fiquei porque estou feliz!

– E os peitos também cresceram!

– E já sai um pouco de leite.

– É tudo tão perfeito! Deus é perfeito! Sabe tudo! Pensa em tudo!

Eles ficaram namorando até que adormeceram abraçados.

No meio da noite, ela acordou agitada.

Ela tinha sonhado que Aparício havia desaparecido.

Ela levantou, bebeu um pouco d’água e foi até a janela.

Quando olhou o céu viu o sinal. As estrelas piscavam. Ela arregalou os olhos, seu coração disparou e no mesmo instante ela sentiu tamanha dor no baixo ventre que a obrigou a voltar pra cama e deitar. Sua respiração ficou ofegante e

Aparício acordou. Ao vê-la naquele estado se assustou.

– Já está na hora do bebê nascer?

– Não. Eles voltaram!

– Eles quem?

Ela apontou para a janela e ele viu o sinal.

– Meu Deus! Eles estão mandando alguém de Maniniti!

Ela se desesperou.

– Eles vêm te buscar! Eles vão te levar!

Ele a segurou pelos ombros.

– Calma! Confie em mim! Eles são bons! Eles têm a alma misericordiosa! Ninguém vai me levar contra a minha vontade!

Ela começou a respirar com mais calma.

– Mas, então? O que será que eles querem?!

– É claro que eles querem que eu volte. Mas eu terei que querer também. Se eu não quiser, eles não poderão me levar.

Terão que voltar e explicar os meus motivos.

Ela começou a chorar.

– Eu estou com medo!

Ele a abraçou forte.

– Não tenha medo! Quando o viajante chegar, eu saberei o que eles querem.

Ele ficou abraçado com ela até que ela se acalmasse.

Quando ela se sentiu melhor, se levantou e foi ao banheiro lavar o rosto. De repente uma água começou a correr pelas suas pernas.

– Aparício!

– O que foi?

– A bolsa estourou. O neném quer nascer!

Ele ficou desnorteado.

– E agora?! Não esta na hora! Não falta um mês?!

– Falta quase um mês. Mas ele vai nascer. Avise o papai.

Eu vou tomar um banho.

Aparício saiu acordando a casa inteira. Seu Ambrósio que não pilotava há anos foi preparar o avião pra levar a filha para o Hospital.

Eles já sabiam que seria outro menino.

Dona Olívia e Dona Madalena prepararam as bolsas dela e do bebê.

– Aconteceu alguma coisa! Esse neném não era pra agora!

– Olívia, esses dois aprontam coisas que a gente não entende! Vamos rezar pra fique tudo bem.

Depois de uma hora já estavam prontos e partiram.

Em meia hora estavam pousando na cidade.

Seu Ambrósio ficou feliz em conseguir pilotar. Dona

Madalena e Dona Olívia ficaram rezando.

Dr. Antônio já esperava por eles no Hospital e logo Maria Isabel e Aparício já estavam na sala de parto.

Eram seis horas da manhã quando nasceu o filho deles.

Aparício ficou deslumbrado ao ver o nascimento do seu bebê. E cada dia amava mais a sua esposa e as pessoas com quem convivia na Terra.

Ele sabia que o seu filho tinha sido gerado no dia do seu casamento, e naquele dia o sinal apareceu para que ele levasse as ervas para o Mestre. E agora ele nascia no dia em que alguém de Maniniti chegava para buscá-lo. Isso deveria ter algum significado.

Após o parto ele e Seu Ambrósio comemoraram abraçados.

Logo depois Maria Isabel foi para o quarto e descansou.

Seu Ambrósio voltou para casa com um piloto para buscar Dona Madalena e Dona Olívia.

Ele avisou o neto.

Aparício ficou sozinho no quarto com a esposa.

Eles trouxeram o bebê para que ela amamentasse. Quando ele a viu amamentando, começou a chorar.

Ele se sentou perto dela e ficou admirado com a cena.

Ela acarinhava o bebê. Os dois conversavam.

– Ele nasceu antes da hora, mas é saudável!

– É um pouco magrinho.

Ele riu e ela perguntou:

– Que nome nós vamos dar a ele?

Aparício respondeu:

– Que tal Barum47?

Ela sorriu.

– Você é louco? Escolha um nome mais comum.

– Pra mim é difícil. Mas um dia você me disse que aqui as pessoas costumam escolher os nomes baseados na Bíblia, ou nos livros de outras religiões.

Podemos escolher um nome da Bíblia.

– É. Podemos.

– Então escolha você.

– Que tal Mateus?

– É um nome bonito.

– Então ele vai se chamar Mateus.

Ele pensou.

– É. Esse nome lembra Maniniti, Terra e Deus. Muito bom nome.

Ela sorriu e ele abraçou a esposa feliz.

Mais tarde a família chegou para visitar o bebê.

Depois de três dias, quando eles voltaram para a casa,

Seu Ambrósio fez uma grande festa.

Era a festa de boas vindas para Mateus.

 

Capítulo 19

 

Logo que voltaram para a Fazenda, Aparício sentiu que estava sendo chamado na gruta.

Era dia e ele não podia confirmar pelas estrelas se alguém de Maniniti havia chegado à Terra.

Quando anoiteceu, ele teve certeza que o transporte havia sido realizado.

Eles estavam na festa que Seu Ambrósio tinha preparado para comemorar a chegada do neto.

Ele esperou a festa acabar.

Maria Isabel estava muito cansada da viagem, do parto, da festa e da amamentação.

Ele a ajudou a se preparar pra dormir e quando o bebê já estava calmo, ele se deitou ao lado dela e falou:

– Meu amor, eu tenho que ir até a gruta pra ver o que está acontecendo.

– Aparício. Não faça isso! Se eles mandaram alguém, esse alguém vai vir te procurar!

– Calma! Ele está entrando em contato comigo. Ele não tem permissão de sair da gruta. Confie em mim.

Ela abaixou a cabeça.

– Tá bem. Você sabe o que faz.

Ele sorriu e a beijou.

– Eu vou levar algumas roupas e sapatos. Ele deve estar com frio.

– Por que vocês chegam nus?

– Porque não usamos os mesmos tecidos da Terra. E não queremos que saibam, ou suspeitem que nós viemos de outro planeta.

– Faz sentido.

Ele separou algumas coisas e saiu.

Ele caminhou por mais de uma hora até a gruta e quando chegou lá encontrou o ancião Merfam87.

Ele estava meditando, mas abriu os olhos quando sentiu a presença de Barum47.

Os dois sorriram e enviaram energia fraternal um para o outro.

– Você demorou a responder o meu chamado!

– Eu sei. É que a minha mulher, Maria Isabel, teve o bebê no dia da sua chegada. Nós fomos para o Hospital e só voltamos ontem.

– Sua mulher?

– É. Eu me casei. Eu avisei na mensagem.

– Nós sabemos. É que você está falando como se ela fosse sua propriedade.

Aparício se sentou e respondeu:

– Eu também estranhava essa forma de possessão das pessoas. Mas aqui na Terra é assim.

– Eu estudei muito sobre a Terra pra poder vir nesta missão.

– E o Mestre Latum189?

Uma onda de paz envolveu o corpo dos dois.

– O Mestre se recuperou um pouco. A doença estacionou. A erva foi eficaz.

Os olhos de Barum47 brilharam.

– Que bom! Que bom! Maria Isabel vai gostar de saber disso!

– Sei.

Ele olhou para o companheiro que meditava. Ele esperou e prosseguiu.

– Eu lhe trouxe umas roupas. Aqui dentro faz frio.

– Eu senti. Tive que aproveitar a energia desse lugar pra me aquecer.

– Eu trouxe também pão e algumas frutas.

Merfam87 se vestiu e comeu.

– Este lugar é muito bonito!

– Bonito e quase ninguém conhece. É bem secreto.

– Perfeito pra se esconder.

– Verdade. Mas então? Qual é a sua missão?

– Você deve saber. É levar você de volta.

Aparício olhou o amigo.

– Mas por quê? Eu já escolhi ficar!

– Nós entendemos a sua posição. Mas não podemos explicar para o povo de Maniniti. O nosso planeta está empenhado na evolução espiritual. Você é considerado um homem bem evoluído no amor divino. Como explicar que você escolheu regredir? Escolheu se afastar de Deus e se exilar em um planeta primitivo como este?

– Eu não escolhi. Eu me apaixonei. Eu estou aqui por amor!

– Um amor carnal! E você sabe muito bem o que isso significa. É um sentimento intenso, prazeroso e passageiro!

Aparício respirou fundo e meditou pra poder se explicar melhor.

– Merfam87, eu amo a Maria Isabel. Esse amor não é só carnal e muito menos passageiro! Ele aumenta a cada dia.

Ainda mais agora que o nosso filho nasceu!

Merfam87 o olhou com piedade.

– Barum47, você está impregnado pelo sentimento de propriedade. Você diz que tem uma mulher e um filho. Você sabe que nenhum ser pode ser dono de outro ser. Somos um todo e pertencemos a nós mesmos! Somos responsáveis por todos e todos são responsáveis por cada um.

– Isso é verdadeiro e é maravilhoso! Mas aqui não é possível pensar e viver assim.

O velho ficou calado e Aparício perguntou:

– Quanto tempo você tem pra cumprir a sua missão?

– Tenho toda a minha vida. Só posso voltar com você.

Ele respirou fundo e se preocupou.

– Mas isso não é justo! Eu optei por viver aqui. Você não!

– Eu farei isso por você. Pelo amor divino.

Aparício se emocionou.

– Ah! Meu Deus! Você terá que ir pra casa comigo!

– Barum47, eu não posso ter contato com as pessoas da Terra. Eu terei que permanecer aqui.

– Mas aqui não tem cama. Não tem comida!

– Eu ficarei bem. Só preciso que você venha me ver com frequência.

– Claro! Eu virei, mas…

– As pessoas sabem que você veio de Maniniti?

– Só Maria Isabel.

– E ela acreditou?

– Acreditou.

– Ela é uma alma boa e evoluída, não é?

– É.

– E por que você não a levou?

– Porque ela tem uma família. Ela teria que deixá-los.

Ela tem um filho mais velho. O marido morreu. E porque lá não poderíamos viver juntos o amor que vivemos aqui.

O ancião ouviu e completou:

– E o menino que nasceu?

Aparício sorriu orgulhoso.

– Mateus é muito saudável!

– Ele não nasceu antes do tempo?

– Nasceu na hora em que você estava sendo transportado.

– Você achou que foi coincidência?

Ele parou e respondeu:

– Eu sei que não.

Merfam87 completou:

– Mateus também é filho de Maniniti e nós também somos responsáveis pela evolução dele.

Aparício se concentrou e enviou ondas de amor para Maria Isabel e para o filho. Sabia que ela estava aflita e queria tranquilizá-la.

O ancião observou:

– Ela consegue captar a energia?

– Consegue.

– Você está mesmo decidido a não voltar?

– Estou.

– Não tem problema. Nós teremos muito tempo pra conversar.

– Eu sei. Vou tentar melhorar as suas condições aqui na gruta.

Barum47 olhou pra cima.

– Já está amanhecendo. Tenho que voltar e trabalhar.

– Vá em paz, meu amigo, e obrigado.

Ele sorriu e saiu.

Quando chegou em casa encontrou a esposa de banho tomado e arrumando Mateus.

– Que bom que você chegou. Eu estava preocupada, mas alguma coisa me dizia que você estava bem e que logo estaria em casa.

Ele a abraçou.

– Eu mandei mensagem por telepatia pra você.

Eles se sentaram.

– E então?

– É isso mesmo. Querem que eu volte. Dizem que é difícil explicar como um homem de Maniniti pode preferir regredir espiritualmente pra viver em um planeta primitivo como a Terra.

– Deve ser difícil explicar, mas você terá que ir?

– Não! O problema é que enviaram um ancião. O nome dele é Merfam87. E ele só poderá voltar se eu voltar.

Ela se surpreendeu.

– Que coisa absurda!

– Ele foi voluntário. Disse que fez isso por amor a mim e a Maniniti.

Ela pensou.

– Então ele terá que morar conosco!

Ele sorriu.

– Eu já convidei. Pensei até que ele pudesse fazer companhia pra Dona Olívia. Mas ele não pode ter contato com os terráqueos. Ele vai ficar na gruta.

Está determinado a me convencer a voltar.

Ela entristeceu.

– Olha Aparício, eu não quero ser um problema pra você. Eu te amo. Mas se o seu retorno é tão importante pra todo um planeta… Se for por uma causa justa… Eu…

Ela ia começar a chorar. Ele enxugou as suas lágrimas e a abraçou.

– Escute, eu não vou voltar. Eu não quero voltar. Você sempre me deixou livre pra escolher! Mesmo sofrendo. Mas eu sei o que estou fazendo. Eu quero que você tenha certeza de que eu nunca escondi nem vou esconder nada de você.

Ela sorriu, eles se abraçaram e Mateus chorou.

 

Capítulo 20

 

Alguns meses se passaram.

Mateus crescia saudável.

Maria Isabel já havia voltado a realizar as suas atividades normalmente.

Seu Ambrósio e Dona Madalena ajudavam a cuidar do neto.

Aparício continuava administrando a Fazenda e havia construído uma boa cabana dentro da gruta, para que Merfam87 tivesse um pouco de conforto durante o tempo que estava passando na Terra.

João Victor continuava estudando e indo visitar a família sempre que era possível.

Dona Olívia sempre atenta e prestativa. Ela ajudava como podia.

Aparício teve que se ausentar com a comitiva.

Maria Isabel sentiu uma enorme vontade de ir conversar com Merfam87. Ela imaginava que poderia convencê-lo a ir morar com eles.

Ela saiu a cavalo, como se fosse dar um passeio com Mateus. O menino já estava acostumado com os cavalos.

O primeiro a levá-lo foi o avô. Ele só tinha um mês. Depois foi João Victor que não via a hora de vê-lo crescer para ensiná-lo tudo que sabia sobre a Fazenda.

Por último Aparício que queria ficar com o filho o máximo tempo que podia.

Ela saiu com o menino e chegou à gruta levando as frutas que Merfam87 gostava e roupas limpas.

O dia estava bonito e corria uma brisa fresca.

Ela deixou o animal do lado de fora e entrou com Mateus. Após andar um pouco chegou à beira do rio onde estava a cabana.

Merfam87 estava sentado na porta.

Eles se olharam de longe.

Ele era um velho bem arrumado. Possuía a barba bem feita. Tinha um aspecto limpo e bem cuidado. E era bonito como Aparício, apesar da idade.

Ela sentiu que ele a cumprimentou enviando ondas de amor. Ela retribuiu e imaginou que ele não fosse falar. Mas para sua surpresa ele a chamou pelo nome.

– Seja bem – vinda, Maria Isabel! Seja bem-vindo, Mateus!

O menino sorriu ao ver o ancião mais de perto e se jogou para os braços dele.

O velho segurou o bebê e conversou com ele.

– Você ainda terá muito que aprender sobre Maniniti.

Se o seu pai não voltar eu me ocuparei em ser o seu instrutor.

Maria Isabel sentou-se ao seu lado e comentou:

– Aparício tem muito carinho pelo senhor.

– Aparício?!

– Ah! Sim. Barum47.

– Nós temos muito carinho uns pelos outros.

– Eu também sinto muito carinho e admiro a sua missão. O senhor deixou a sua evolução para resgatar um amigo de uma situação que julga ser ruim pra ele e para o planeta.

Ele a olhou com admiração.

– Você compreende.

– Eu compreendo o seu empenho e o trabalho que desenvolvem em relação ao amor e a Deus.

– Você teria realmente que ser diferente da maioria das pessoas aqui da Terra. De outra forma, Barum47 não teria se envolvido a ponto de não querer voltar.

Ela sorriu.

– Eu não me sinto bem sabendo que posso estar prejudicando o Barum47, o senhor e as pessoas de Maniniti. Mas por outro lado eu preciso muito dele. Eu o amo!

Merfam87 também sorriu e lhe entregou o menino.

Mateus se alojou no colo da mãe.

Merfam87 continuou:

– Você, Maria Isabel, é só uma pessoa que precisa dele.

Talvez você, o Mateus e as pessoas aqui deste lugar. Mas, em

Maniniti, é todo um planeta que precisa entender que está no caminho certo.

Ela ouviu, pensou e respondeu:

– Sabe, eu às vezes penso que, se por causa de uma pessoa toda uma filosofia de amor ao próximo e amor a Deus pode ser tão comprometida, deve ser porque nem o Mestre nem ninguém acredita realmente que está no caminho certo.

O ancião surpreendeu-se com o comentário dela. Ele fez uma pausa.

Ela aproveitou pra lhe mostrar a mochila.

– Eu trouxe roupas limpas e frutas pro senhor.

– Obrigado!

Mateus quis mamar e ela começou a amamentá-lo naturalmente.

Merfam87 observou e continuou a conversa.

– Na sua opnião, qual é o caminho que nos leva a Deus?

– Eu não sei. Não deve ser um caminho fácil. Nós vivemos pra aprender e morremos pra renascer até descobrirmos

o caminho. Não é assim?

Ele balançou a cabeça.

– É. É assim.

Ela continuou:

– Sabe, se Deus me colocou em um planeta físico, com um corpo físico, se eu tenho que comer pra crescer e fazer sexo pra procriar, eu tenho que viver respeitando os impulsos deste corpo físico. Então, a paixão, o sexo, o amor entre duas pessoas nessa estrutura de vida que nos foi imposta também têm que ser divinos!

Merfam87 interferiu:

– Você está certa. Você está na Terra. Mas em Maniniti não é assim! Maniniti é energia! É mais leve. A gente vive mais tempo. Nós não necessitamos de muita comida ou de sexo. Nós queremos viver a harmonia dos sentimentos. Viver a energia pra nos aproximarmos de Deus.

– Mas vocês têm um corpo físico.

– Temos, mas ele está em transformação. A alma é mais importante. A energia do pensamento é vital em Maniniti. O amor fraterno é a lei. Nós temos que instalar a paz.

– Mas não é isso que vocês estão fazendo comigo. Desde o dia que Barum47 não voltou que eu não tenho paz!

– Mas aqui a instabilidade e a incerteza são normais!

Lá não.

Ela se calou.

Mateus parou de mamar. Ela se ajeitou, se levantou com ele no colo e falou.

– Bem, Merfam87. Eu vim até aqui hoje pra te convidar pra morar conosco.

Ele sorriu.

– Obrigado, mas eu estou bem nesta cabana. Barum47 tem cuidado muito bem de mim.

– Tudo bem. Mas se precisar, saiba que será bem– vindo.

– Obrigado mais uma vez. Eu gostei muito de conversar com você. Espero receber outras visitas sua e do Mateus.

– Nós viremos.

Ela se despediu e saiu com o filho.

Merfam87 a acompanhou com olhar até que ela sumisse com Mateus por entre as pedras da gruta.

Eles cavalgaram de volta para a casa. Maria Isabel seguiu pensativa.

O ancião elevou o seu pensamento e pediu ajuda para que o Mestre Latum189 o inspirasse em sua missão de convencer Barum47 a voltar com ele para Maniniti.

Ele estava em verdadeiro estado de graça quando ouviu uma voz de criança.

– BILU!

Ele olhou a sua volta e no primeiro instante nada viu.

A voz o chamou:

– Merfam87! BILU!

Ele se concentrou e serenou o seu coração. Então viu uma luz branca e azulada ir em sua direção. Da luz saiu a voz.

– Você pediu ajuda. Eu estou aqui!

Merfam87 sorriu ao ver o pequeno ser de 1,40m se aproximar. Ao senti-lo tão próximo sua alma se encheu de amor. Ele então respondeu:

– Pedi ajuda sim. Preciso muito de orientação.

– BILU sabe! BILU ajuda!

– Foi o Mestre Latum189 que te enviou?

– Não. BILU estava por aqui. BILU ouviu a sua súplica.

BILU gosta de ajudar!

– De onde você vem?

– BILU vem de Pégasus, mas há alguns mil anos BILU mora em Kasalki, cidade intra-terrena.

– Ela é cientista. Veio de Orion!

Merfam87 respirou fundo. Sentia-se imensamente feliz com as revelações daquele pequeno e tão sábio ser. Queria ficar ao lado dele conversando para sempre.

– Como você vai despertá-la?

– Primeiro BILU vai aparecer em sonho. Enquanto isso você fala para Barum47 prepará-la. Maria Isabel precisa ter alimentação saudável. Assim poderei ativar a terceira visão e a memória cósmica dela!

– Barum47 também está impregnado de sentimentos terrenos.

– Por que tantos anos intra-terrenos?

– Missão de BILU não acabou. Sua missão também é importante.

– Você vai me ajudar na minha missão?

– Sim! Merfam87 tem que levar Maria Isabel. Então Barum47 vai também!

Merfam87 coçou a cabeça.

– Ela está presa aos costumes terrenos, à sua família terrena.

– Ela está presa, mas ela também veio das estrelas! BILU vai despertá-la!

– De onde ela veio?

– BILU sabe. Mas Barum47 está desperto. É mais fácil com Barum47. Se precisar BILU ajuda.

– Obrigado BILU! A sua ajuda vai ser muito importante pra mim. Só de ver a sua luz o meu coração já está transbordando de alegria! Agora tenho certeza que vou conseguir cumprir a minha missão!

– BILU também está muito feliz! Seu planeta também vai transmutar. Maniniti vai pra 5.ª dimensão. A Terra vai pra 4.ª.

– Que boa notícia! É esse o nosso objetivo. É pra isso que temos trabalhado por todos esses milhares de anos!

– Quando a Terra transmutar, BILU vai voltar pra casa.

BILU e família vão voltar pra Pégasus!

Merfam87 sorriu:

– É. Falta pouco!

– BILU esperou 4.000 anos. BILU está pronto, mas BILU tem missão no despertar dos dimensionais, os andarilhos das estrelas. BILU está ajudando no paralelo 19.

Aqui perto desta Fazenda.

– Antes de vir nessa missão, estudei muito sobre esta região. Nós sabemos da grande energia cósmica do paralelo 19 e da cidade intra-terrena. Sabemos também da grande diversidade biológica de fauna e flora. Sabemos da grande reserva de água. Foi por isso que localizamos a erva para a cura do nosso Mestre aqui.

– Aqui é um lugar escolhido na Terra! Muita luz! Muita vibração!

– BILU vai dar presente pra confirmar compromisso.

Merfam87 se aproximou dele e o pequeno ser cresceu.

Ele pediu que o ancião estendesse a mão e colocou uma pedrinha amarela na mão dele. Merfam87 pode sentir a mão quente dele.

– Quando Merfam87 precisar de BILU. Usa pedrinha.

Abre portal intra – terreno e BILU aparece.

Merfam87 se emocionou ao receber a chave de abertura do portal intra– terreno.

– Obrigado BILU.

– Agora Merfam87 precisa dar presente BILU.

Merfam87 não sabia o que dar. Ele puxou uns fios de sua barba e entregou ao amigo.

– É parte de mim BILU.

– Eles estão muito próximos de Deus e não percebem.

– Maria Isabel percebe. Mas não quer mudar. Merfam87 ajuda BILU a despertar ela.

– Combinado!

– Fechado?

– Fechado!

– Compromisso com BILU?

– Compromisso!

– BILU não vai esquecer. Da próxima vez vê se acha a pedrinha.

Merfam87 sorriu. BILU jogou uma luz no chão e sumiu.

O ancião ficou iluminado de tanta alegria. Ele não via a hora de Barum47 voltar para que ele pudesse lhe contar.

Os dias passaram e Aparício voltou com a comitiva.

Ele estava saudoso da esposa e do filho.

Eles se amaram com paixão e depois ficaram abraçados conversando.

– E então? Como foram os seus dias aqui?

– Tranquilos. Mas eu resolvi ir conhecer Merfam87.

Aparício levantou as sobrancelhas.

– É? E o que você achou dele?

– Ah! Um velho ranzinza e teimoso como todos da idade dele.

Ele deu uma gargalhada.

– Só você, Maria Isabel. O que foi que ele fez?

– Nada! Mas é cabeça dura! Quer continuar morando naquela cabana dentro daquela gruta úmida! E continua teimando que você tem que voltar com ele!

– Isso é normal. Ele tem uma missão. Tem que cumprir as regras. Eu falhei na minha missão. Não cumpri as regras e me apaixonei.

Ela sorriu.

– Mas o que era importante você cumpriu. Mandou o que te pediram vir buscar.

– Verdade! O Mestre já deve estar bem!

Eles se abraçaram com ternura e resolveram dormir.

 

Capítulo 21

 

O Pantanal.

A natureza naquele lugar era generosa.

Tudo era abundante e parecia estar em harmonia.

Merfam87 gostava de caminhar e nadar à beira do rio.

Ele lidava bem com os animais. Ele alterava a sua própria energia de forma que eles não o atacavam.

Barum47 ia vê-lo quase todos os dias.

Eles conversavam sobre tudo, mas nos últimos dias falavam quase sempre sobre Maria Isabel.

Eles estavam sentados lado a lado meditando e absorvendo energia da natureza.

Merfam87 começou a conversa.

– Maria Isabel é uma pessoa esperta, sensível e inteligente.

– É verdade!

– É ela quem prepara esses medicamentos a base de ervas, não é?

– É. Ela aprendeu com o primeiro marido que era médico e pesquisador.

– Ele já fez a passagem?

– Já. Faz algum tempo. Ela já sofreu esta perda. Ela sofreu muito com isso, mas continuou trabalhando no projeto dele. Acho que foi a forma que ela encontrou de estar perto dele. Pelo menos da memória dele.

– Você a admira?

– Admiro muito!

– E como é esse sentimento que vocês dizem que é amor, e que fez você preferir permanecer aqui?

Barum47 sorriu com o olhar no horizonte.

– É difícil explicar. Em Maniniti eu jamais havia sentido nada parecido. Mas eu vou tentar.

Sabe quando a gente sente amor por alguém? A gente quer trocar energia e a gente fica satisfeito?

Marfam87 afirmou com a cabeça.

– Então. Aqui a gente troca energia e não fica satisfeito.

O sentimento aumenta. A gente quer mais. É uma vontade incontrolável de estar perto de tocar o corpo, a boca, de fazer sexo. Uma força que parece que forma um só ser. E vêm os filhos e a união está feita. Outro ser.

É também vontade de conhecer, conversar, descobrir tudo do outro. E conservar, manter aquele bem que você conquistou. Será que deu pra entender?

Merfam87 respondeu:

– Pelas cores da sua aura quando você falou dela, deu pra entender que este sentimento faz você feliz! Realizado!

Como se tivesse cumprido uma missão!

– Melhor que isso! É como se eu estivesse ajudando alguém dia após dia. E esse alguém me desse mais do que eu merecesse em troca dessa ajuda que já me faz bem só em ajudar. Eu me sinto leve…

Merfam87 perguntou:

– Você acha que seria capaz de matar alguém por ela ou pelo seu filho?

Barum47 pensou um pouco.

– Isso eu já não sei. Acho que eu não seria capaz de matar, de ter ódio, sentir ciúmes ou querer me vingar de alguém.

Eu não penso nisso. Eu só penso em fazer o meu trabalho, ajudar o Seu Ambrósio e ver os nossos filhos crescerem.

– Sei. Ela já tinha um filho?

– Já. João Victor. Um rapaz muito tranquilo.

– Barum47, você foi enviado para este lugar. Teve sorte de estar em um lugar bonito. Com boas pessoas. Mas você sabe que aqui na Terra a vida é instável. Existem pessoas que vivem em péssimas condições de saúde e de espírito!

– Eu sei!

– Isso não te incomoda?

– Incomoda!

– Você se sente bem vivendo com amor e fartura enquanto a maioria das pessoas do planeta sofre?

– Eu não me sinto culpado por ser feliz.

– Mas você não acha que deveria tomar alguma atitude pra mudar isso?

– Eu sou responsável por esta comunidade e aqui na Fazenda não há miséria. As pessoas trabalham e não são exploradas. Elas têm moradia, atendimento médico, dentista e boas escolas.

– Então a sua meta de vida se resume a esta Fazenda no Pantanal? No Brasil?

– Aqui na Terra a lei é essa. Eu não tenho como mudar um planeta. Essa não é a minha missão. Essa foi a missão dos profetas e será de outros muito mais evoluídos do que eu!

Merfam87 pensou.

– Barum47, será que você não percebe que a cada dia se afasta mais de Deus?

Ele pensou bem e respondeu olhando para o amigo.

– Eu não percebo. Você vê isso em mim?

Merfam87 balançou a cabeça.

– Sabe o que eu sinto quando te vejo aqui?

– O quê?

– Sinto um enorme aperto no peito. Vejo o homem escolhido para uma das mais difíceis e mais importantes missões de Maniniti, por ser um homem bom, altruísta, de alma tão evoluída que causava admiração em todos, com seu nome cotado para um dia ser o Mestre, e de repente, esse líder se perde em sentimentos primitivos, profanos…

Isso me entristece e sei que entristece a todos que te conhecem e te admiram no nosso planeta.

Barum47 se emocionou, meditou e respondeu:

– Eu sinto muito por ter decepcionado a todos. Mas estou certo que os meus sentimentos são puros e engrandecedores. Os meus e os da Maria Isabel.

Merfam87 ficou em silêncio por um tempo.

Uma luz verde bem clara envolveu os dois. Eles sentiram um enorme bem-estar.

O mais velho continuou:

– Você sabe o que é viver em estado de graça. Você sabe e já experimentou o que é a troca e a liberação desse sentimento. Você se sente parte do todo. Você precisa mostrar esse amor para ela. Você precisa fazê-la se sentir divina. Precisa ensiná-la a vibrar na energia cósmica.

Quando ela aprender, e eu sei que não vai levar muito tempo, ela vai querer viver nessa vibração e vai querer saber mais e mais sobre o Universo, sobre Maniniti e principalmente sobre Deus.

Barum47 respirou aquela energia e respondeu:

– Ela está tão feliz com a vida que a gente está vivendo aqui…

– Ela não sabe, mas você sabe que tudo pode mudar, mas a luz não muda. O que a gente realmente é, não muda, o amor universal é eterno… Você pode ensiná-la o que é viver em harmonia com o todo. Viver na luz.

As palavras de Merfam87 soaram como sinos na cabeça dele. Ele começou a se lembrar de como se sentia feliz com as pequenas coisas do seu dia a dia em Maniniti.

O ancião continuou:

– Barum47 você se lembra por que a vida em Maniniti é como é? Você se lembra da nossa história?

Ele ficou em silêncio por um período e respondeu:

– Lembro! Há alguns milênios Maniniti sofreu uma grande catástrofe. Todos os vulcões, mesmo os considerados extintos entraram em erupção ao mesmo tempo. Devido a essa movimentação brusca da crosta do planeta, outras manifestações ocorreram, como terremotos e tsunamis. Vários pontos do planeta foram atingidos por essas manifestações da natureza. Metade da população morreu nos primeiros dois dias. Os outros tiveram que conviver com a mudança da atmosfera.

Os gases tóxicos provenientes das usinas nucleares e a imensa nuvem de poeira vulcânica se espalharam por todos os continentes. Os animais de grande porte desapareceram.

As comunicações foram cortadas. O comércio entre os países acabou. Muitas estradas foram destruídas e era impossível o uso do espaço aéreo. Os poucos sobreviventes tiveram que se refugiar em abrigos subterrâneos. Eles tiveram que armazenar o máximo de alimentos não perecíveis e água.

Quando a natureza se acalmou, houve um inverno rigoroso devido à imensa nuvem de poeira que se instalou na atmosfera impedindo a passagem dos raios solares. O inverno durou uns quarenta e cinco anos.

Os sobreviventes tiveram que enfrentar a violência. Não havia comida estocada pra todo mundo e muito menos água.

Eles enfrentaram a violência, a fome e principalmente a sede. Milhares foram morrendo aos poucos. As doenças apareciam e exterminavam como pragas.

Quando a população estava quase exterminada, apareceram seres de dimensões superiores e abriram um portal para Shambala, uma cidade intra-Maninitiana. Quando eles passaram pelo portal conseguiram ver o sol, ver a natureza linda! Rios de águas claras, árvores frutíferas e pequenos animais…

Graças a ajuda dos seres da 9ª dimensão, eles conseguiram passar pelo portal. Depois esses seres de luz seguiram os seus destinos, mas deixaram seres da 4ª dimensão para ajudá-los e ensiná-los a viver em harmonia com a natureza, seguindo as regras da partilha e do amor.

Enfim, ensinaram como viver baseado no lema: “Todos somos um” todos somos partículas divinas e temos que honrar a nossa procedência.

Esse grupo de sobreviventes foi preparado para repovoar Maniniti.

– Foi esse grupo que depois de 47 anos voltou à superfície de Maniniti e reiniciou a nossa história. Você se lembra quantos eram?

– Sim. 1440.

Merfam87 se emocionou, mas continuou:

– E esses 1440 reabriram o portal de Shambala e retornaram a Maniniti com a ajuda dos seres extra– Maninitianos. Seres iluminados que nunca nos abandonaram. Os 1440 reconstruíram Maniniti. E hoje? Quantos nós somos?

– Três bilhões.

– Somos três bilhões que vivem em harmonia com a natureza, respeitando as leis da vida e da morte, honrando a nossa procedência divina, no lema:

“Todos somos um”.

E você sabe Barum47 que eu e você fazíamos parte desses 1440, lembra?

Barum47 não conseguiu mais falar e começou a chorar compulsivamente.

Merfam87 esperou que o choro abrandasse e agradeceu a Deus e aos seres de luz e principalmente ao pequeno BILU por ter lhe dado a orientação precisa para que ele pudesse cumprir a sua missão.

Ele continuou:

– Que bom que você recordou o longo processo de evolução de Maniniti e dos nossos antepassados. Você está passando por uma prova. Talvez seja o caminho pra despertar a Maria Isabel. A Terra vai passar pelo mesmo processo. Ela e Mateus poderão ter outro destino.

Pense nisso!

Barum47 sorriu emocionado e Merfam87 enfim reconheceu o seu amigo de longos anos universais.

De repente, eles ouviram aquela voz de criança.

– BILU!

Uma grande alegria tomou conta dos dois e Merfam87 respondeu:

– Oi! BILU!

Barum47 se virou em direção a voz e os dois puderam ver o pequeno ser Laquin se aproximar.

– BILU está feliz! Barum47 está vibrando na energia divina!

Ele sorriu e respondeu:

– BILU, agora entendo o sonho da Maria Isabel.

– BILU falou com ela em sonho.

– Obrigado por ajudar.

– Barum47 precisa levar Maria Isabel e o menino Mateus.

Ele olhou emocionado para aquele ser tão iluminado, que só existe pra expandir o amor universal, e respondeu:

– É impressionante como, quando estamos no caminho certo, o Universo conspira a nosso favor.

– BILU sabe. Todos são importantes para o Todo! Terra vai passar por transformação. BILU vai esperar pra ajudar.

– Merfam87 se precisar só usar a pedrinha. Abrir portal. BILUUUU!

Uma luz branco – azulada surgiu e BILU sumiu.

Os dois amigos se olharam.

– Bom, agora tenho que ir!

Merfam87 percebeu o quanto seria difícil para Barum47

voltar à sua vida terrena. Ele já estava diferente.

– Vá na Luz!

Eles se despediram. Enviaram energia de amor fraternal um pro outro e Barum47 seguiu por entre as pedras da gruta.

– Essa é a sua missão?

– Essa é missão de família de BILU. BILU tem muitos irmãos. Todos ajudam quem precisa.

Barum47 podia vê-lo perfeitamente. Ele se aproximou e o olhou com seus grandes olhos escuros e expressivos.

BILU falou:

– Barum47 abaixe a sua cabeça.

Ele obedeceu e BILU soprou a testa dele.

– Assim Barum47 vai fazer com Maria Isabel. Soprar a testa dela. BILU já vai. Vim falar isso pra você.

Barum47 não precisou dizer o quanto estava agradecido e emocionado.

 

Capítulo 22

 

Barum47 voltou pra casa pensando em Maniniti.

O caminho longo pela Fazenda o ajudou a intuir a conversa que ele teria que ter com Maria Isabel sobre a transição e o retorno deles.

Ele entrou em casa e a encontrou na varanda com Mateus.

Eles sorriram um para o outro.

– Já chegou, meu amor?

Eles se abraçaram.

– Vim mais cedo. Passei a tarde com Merfam87.

– Ele está bem?

– Muito bem! Falamos sobre Maniniti.

Ela o olhou nos olhos.

– Você ficou com saudades?

– Fiquei um pouco. Tenho vontade de mostrar como é a vida lá. Queria poder te mostrar o Universo. Queria que fosse simples ir e voltar.

Ela sentiu a alegria que ele passava ao falar do Universo, então segurou a mão dele.

– Eu entendo! Também gostaria de viajar pelo Universo. Gostaria de poder ir. Mas também queria voltar sempre que quisesse. Como se as viagens interplanetárias fossem como viajar de um país para outro.

– Penso que nós vamos poder fazer essas viagens um dia.

Mateus pediu o colo do pai. Ele já estava com nove meses e já queria andar.

Aparício o colocou no colo e acariciou a sua cabecinha.

Logo Dona Olívia chamou para o jantar e eles se reuniram à mesa com Dona Madalena e Seu Ambrósio.

Depois ficaram conversando e em seguida foram dormir.

Eles arrumaram o bebê em seu quarto, tomaram banho e se deitaram. Maria Isabel foi pra janela e ao olhar o céu viu uma estrela cadente.

– Aparício! Apareceu uma estrela cadente. Passou tão rapidamente que esqueci de fazer um pedido.

– As estrelas aparecem pra você. Elas devem querer te dizer alguma coisa!

Ela sorriu.

– Vou dormir. Quem sabe me falam em sonho.

– Quem sabe…

Eles se beijaram e ela dormiu. Mateus choramingou um pouco e Barum47 ficou com ele passeando pelo quarto até que o sono chegasse.

Ela dormiu e sonhou.

Estava em um campo florido cercada de luzes em forma de círculos, como se fossem bolhas de sabão. De longe vinham algumas criança. Quando chegaram perto ela percebeu que não eram crianças e sim pequenos seres muito alegres e brincalhões que cantavam e dançavam. Ela os acompanhava. Em seguida já estava em sua Fazenda e ao olhar para o céu, viu as Três Marias brilhando bem forte.

Ela sempre olhou o céu. Sempre observou o Cruzeiro do Sul e as Três Marias. O sonho com essas estrelas era habitual. Mas desta vez elas pareciam querer lhe contar uma estória.

Próximo das três estrelas, ela viu surgir uma luz avermelhada que expandia e espalhava uma imensa sensação de amor. Era uma luz de amor. Ela podia sentir e um enorme bem querer se instalou em seu coração.

Ela acordou em lágrimas.

Aparício acordou assustado.

– O que foi?

Ela se sentou na cama e limpou os olhos.

– Nada demais… Foi um sonho bom!

Ele sorriu e a abraçou.

– Então esse choro é de emoção.

– Hum! Hum!

Eles ficaram abraçados por algum tempo e Mateus chorou.

– Nosso filho já está com fome.

Ele pegou o menino e o entregou à mãe. Ela sentou e começou a amamentá– lo.

– E o sonho?

Ela olhou para o vazio pra se lembrar e começou a falar.

– Era uma imensa luz avermelhada que saía de uma estrela próxima das Três Marias e me fazia sentir um amor infinito! Uma enorme sensação de bem – estar e bem – querer que continua comigo até agora!

– Que bom! Mas, não entendi as estrelas Três Marias.

– É. Aqui a gente chama de Três Marias as três estrelas paralelas e equidistantes. Quer que eu te mostre?

– Não precisa. Acho que já sei. É o cinturão de Orion.

– Como?

– Essas três estrelas fazem parte da constelação de Orion e a estrela avermelhada que expande é Betelguese que também pode querer dizer a morada de Deus.

Maria Isabel sentiu seu coração vibrar. Mateus parou de mamar e ficou quieto olhando pra mãe.

– Nossa! Que coisa… Me lembrei das palavras de Jesus Cristo. “A casa de meu pai tem muitas moradas”.

– Ele sabia o que estava dizendo. Betelguese é uma delas ou talvez a morada…

– Então, isso que eu senti e estou sentindo é o amor de Deus?

Aparício ficou um pouco emocionado com a vibração dela.

– Esse sonho foi pra você lembrar a sua essência divina.

Sabe… os faraós do Egito fizeram as três pirâmides de Gizé em espelho com as três estrelas do Cinturão de Orion, porque sabiam da procedência deles. Ao serem enterrados iriam retornar à sua origem.

– Sempre acreditei que os egípicios eram seres de outro planeta ou teriam sido ajudados por seres de outros planetas.

– Eles eram. Você se identifica com eles?

Ela sorriu.

– Sim! Com eles, com os maias , astecas, atlantes, incas, lemurianos… Eu sei que de alguma forma civilizações extra– terrestres vinham pra ajudar na evolução dos seres humanos.

– Você sempre acreditou nisso?

– Sempre! E depois que você apareceu assim na minha vida, tenho absoluta certeza de que continuamos sendo visitados por seres de uma variedade enorme de planetas.

Ele sorriu.

– É verdade! Seres de vários planetas de outras dimensões continuam visitando a Terra pra ajudar na evolução não só dos seres humanos, mais principalmente da própria Terra.

Ela ficou prestando atenção e ele continuou:

– E você? Se sente totalmente humana?

– Claro!

– Claro? Você que vive olhando as estrelas?

Ela sabia o que ele estava querendo dizer, mas não queria admitir.

Mateus se levantou do colo dela e foi em direção ao pai.

Ela respondeu:

– Nunca pensei nisso, assim dessa forma tão concreta.

Sempre fui diferente. Mas não me imagino tendo vivido em outro planeta.

– Eu entendo. Mas você viveu. Nós tivemos muitas reencarnações, não é?

– É. Concordo!

– E você acha que todas elas foram aqui na Terra?

– Até então eu pensava que sim.

– Mas não faz sentido sermos viajantes do Universo?

Os olhos dela brilharam.

– Claro que faz!

– Um dia, Maria Isabel, não iremos mais morrer. Iremos transmutar.

– Como assim?

– Assim como aconteceu com Jesus Cristo. Vamos voltar à casa do pai em corpo físico. Não vamos mais ficar reencarnando só com a alma. Vamos atingir tamanha consciência que poderemos viver para sempre.

– Aparício, Jesus era o filho de Deus.

– E nós o que somos?

Ela entendeu e parou pra pensar. Ele continuou:

– Sabe qual é a diferença entre a gente e Jesus Cristo?

– Não sei!

– Ele tinha certeza disso. Ele era o amor. Ele amava a vida, as pessoas, os animais, o Universo. E veio aqui ensinar pra vocês o amor. Quando a gente for capaz de amar como ele amou, a gente será como ele é.

– Parece tão simples!

– É simples. Vem aqui fora comigo!

Ela sorriu. Colocou Mateus na cama e desceu com ele.

Eles se sentaram em umas cadeiras que ficavam no jardim na frente da casa.

– Olhe o céu!

Ela olhou.

– Está lindo! Repleto de estrelas!

– Você pode ver várias constelações, principalmente a sua, Orion.

Ela olhou e sentiu uma enorme sensação de paz. Logo começou a ver uma estrela andar.

– Você está vendo?

– Estou. É uma nave?

– É. É diferente da estrela cadente. Ela anda mais devagar.

Eles estavam olhando e sentiram uns flashs, como se estivessem sendo fotografados.

– O que eles estão querendo dizer?

– Que nos viram e nos reconhecem.

Ela apertou a mão dele.

– O que você está sentindo?

– Estou sentindo que eles estão aí pra confirmar o que você está me dizendo.

– Eu também sinto assim. Sei que eles são de planetas mais evoluídos que Maniniti, sei que eles não podem vir até aqui. Nem sempre é permitido, e não são todos que conseguem. Mas é importante que apareçam pra que a gente possa entender quão diferenciadas são as criaturas de Deus.

Ela olhou para Aparício com amor.

– Adoro quando você fala assim de Deus. Relacionando todo o Universo a Ele.

Ele sorriu.

– É isso que Ele é. O Todo. E é por fazermos parte desse Todo que estamos aqui e agora conversando sobre Ele.

Ela também sorriu e comentou:

– Estou um pouco cansada. É melhor voltarmos a dormir. Está muito tarde e temos que acordar cedo.

– Tá certo! Vamos sim! Foi muita informação hoje, não foi?

– Foi! Preciso absorver tudo isso.

Os dois deram-se as mãos, subiram e dormiram.

Alguns meses se passaram.

A vida na Fazenda seguia no ritmo de sempre.

João Victor passava um final de semana por mês na companhia da família.

Merfam87 e Barum47 continuaram a conversar e estavam conseguindo aos poucos despertar Maria Isabel.

Ela já gostava de ir conversar com Merfam87 e ele contava a história do Universo.

Mateus sempre a acompanhava e se sentia muito bem na gruta.

BILU também aparecia em seus sonhos e estes estavam cada vez mais frequentes e reveladores.

Era noite não muito tarde. Todos já dormiam.

Maria Isabel sonhou com uma luz que lhe transmitia uma sensação maravilhosa de paz e tranquilidade. Ela levantou e seguiu a luz. Desceu as escadas, passou pela sala e foi em direção ao seu laboratório. No caminho ouviu uma voz de criança.

– BILU!

Ela olhou em volta e só viu uma luz branco-azulada.

– Maria Isabel!

Ela sentiu a voz sair da luz.

– Sou eu. BILU!

– Você é muito engraçado!

– BILU gosta de brincar. BILU é alegre.

Maria isabel era triste. Depois que Barum47 chegou Maria Isabel ficou alegre!

– Quem?

– BILU!

Ela sorriu.

– Você sabe tudo de mim?

– Você se chama BILU?

– BILU sabe que você faz parte dos vencedores.

– Muito bem!

– Como assim?

– Você me chamou?

– “Os vencedores do Universo. Aqueles que chegarem lá. Aqueles que superarem tudo. Aqueles que não são facilmente influenciáveis. Aqueles que têm segurança e determinação naquilo que pensam, fazem e querem.

Aqueles que lutam por tudo, por si, pela família, pelos amigos, pelo mundo, pelo povo, sem fazer diferença nem distinção de raças, se têm muita grana, pouca grana… Os vencedores têm a compreensão da vida. Têm a faixa branca, a faixa da pureza”.

– Chamei! Você precisa saber!

– Saber o quê?

– Saber o que você já sabe e esqueceu.

– Esqueci?

– Terra faz os dimensionais esquecerem a sua origem cósmica. A Terra é muito densa. A vibração dos humanos atrapalha consciência!

– Você me vê assim?

– Você é assim. Só rever a sua vida. Só você poderia se entregar a um desconhecido sem nome, sem dinheiro…

– E você quem é?

– Você sabe quem ele é?

– Eu sou BILUUU!

– Sei. Ele é o seu caminho para a sua verdadeira essência.

Ela sorriu.

Ela se emocionou.

– O que mais você sabe de mim?

– BILU sabe que você faz pesquisa com plantas. Você é muito importante para a transição planetária. Você precisa ensinar as outras pessoas a trabalhar com as ervas.

– Maria Isabel sentir bem?

– Muito bem! Sinto uma coisa boa. Sinto vontade de ficar com você por muito tempo.

– Isso sentimento de amor!

– Eu ensinei pro Aparício.

– Você não é de Maniniti, é?

– Precisa ensinar pra mais pessoas.

– Ninguém está muito interessado.

– O Universo está. Por isso Barum47 veio procurar você. As pessoas do paralelo 19 precisam do seu conhecimento. Vou enviar pessoas pra aprender.

– BILU, eu sou importante pra transição planetária?

Como assim?

– Não! BILU é de Pégasus. BILU mora em cidade intraterrena.

– Você falou que vai enviar pessoas pra aprender?

– Outras pessoas vão aprender o seu trabalho. A sua missão e do Barum47 será em Maniniti. A Terra vai passar por transição.

– Você sabe que não posso deixar a minha família aqui.

– Todos são importantes. Vocês vão precisar de boa alimentação e saúde pra ajudar. Você é cientista. Você conhece as ervas. Ervas tratam doenças.

Ervas mudam vibração. Restauram energia.

– Eu não te vejo. Só ouço. Por quê?

– Você ainda não vê com os olhos do coração. Precisa sentir-se em harmonia com o Universo. Você faz parte do Todo.

– Todos são a sua família!

– Meu filho já perdeu o pai e…

– O pai do João Victor é o seu pai. Esse rapaz vai cuidar da Fazenda. O avô vai ficar felizzz!

Ela sorriu.

– A Terra vai sofrer muito com as forças da natureza?

– É o amor que Aparício fala e Merfam87 transmite.

– Terra precisa de transformação. Aqui paralelo 19 é um dos lugares para guardar os restauradores da Terra.

Sua família já está protegida.

– Aqui não haverá grandes mudanças?

– Terra terá uma grande mudança. As pessoas aqui são restauradoras da nova Terra.

Barum47, Merfam87, Mateus e Maria Isabel vão ajudar a Terra, mas usando energia, pensamento, consciência de Maniniti. Vocês vão ajudar muito mais se não ficarem aqui.

– Você me faz sentir tão bem! Vou pensar…

– Não precisa pensar. Precisa sentir. BILU vai sair.

– BILU volta?

– É só Maria Isabel chamar. BILUUUU!

Ela sorriu, uma luz brilhou e ele sumiu.

Maria Isabel estava na escada da sua casa. Ela teve certeza que não fora um sonho.

Aquele serzinho simpático tinha lhe falado tantas coisas que ela não sabia por onde começar. Teria que falar com Aparício.

Logo ela ouviu o galo cantar e percebeu Dona Olívia chegando pra fazer o café.

– Bom dia! A senhora caiu da cama?

– Bom dia, Dona Olívia! Tive um sonho bom!

– Então vamos entrar e tomar café.

Elas deram-se os braços e entraram.

 

Capítulo 23

 

Alguns anos depois…

As conversas entre Maria Isabel e BILU passaram a ser rotineiras.

Aos poucos foram aparecendo pessoas na Fazenda interessadas nas plantas.

Todas conheciam BILU e falavam as mesmas coisas que Merfam87 e Aparício.

Ela já estava se acostumando e interagindo bem com todos eles.

Pela primeira vez sentia a importância do seu trabalho.

Gostava daquelas pessoas. Realmente parecia que já se conheciam.

Seu Ambrósio e Dona Madalena não gostavam muito das constantes visitas. Mas estavam orgulhosos por o trabalho da filha ser reconhecido.

João Victor se formou e voltou para as suas atividades na Fazenda.

Ele havia amadurecido e se tornado um homem respeitado.

Estava namorando uma moça da capital, mais ainda não pensava em se casar.

Aparício já ia deixando todo o trabalho nas mãos dele.

Ele e Merfam87 estavam preparando tudo para que pudessem partir com Maria Isabel e Mateus.

Seu Ambrósio continuava tranquilo com a sua esposa e se empenhava em tentar transformar Mateus em um peão.

O menino era inteligente e aprendia tudo com rapidez e facilidade. Desde os quatro anos já sabia ler e escrever.

Dona Olívia continuava mimando as suas crianças, ou seja, toda a família do seu Ambrósio, principalmente Mateus.

Merfam87 também bajulava o menino e passava horas conversando com ele sobre o amor entre as pessoas e sobre um planeta chamado Maniniti, como se fosse uma estória de conto de fadas.

Ninguém sabia da existência do ancião e quando Mateus comentava alguma coisa eles pensavam se tratar de fantasias de criança.

Maria Isabel já não se sentia tão presa à sua família terrena. Sabia e sentia que iria com Aparício. Ela tinha tentado várias vezes conversar com João Victor, mas ele não lhe dava ouvidos. Sempre dizia que as pessoas que apareciam lá para aprender sobre as plantas eram lunáticas e que essa estória de fim do mundo não ia dar em nada.

Um dia, ela estava passeando com Mateus próximo a gruta e BILU apareceu.

– BILU!

Ela ouviu a voz alegre e bem humorada daquele ser de mais de mil anos que dedicava a sua vida a difundir o amordivino e a resgatar os dimensionais densificados para que eles se tornassem luz, a fim de que eles mudassem as suas consciências, voltassem a vibrar no amor e na neutralidade dos seres de luz. Tudo em nome do Todo. Maria Isabel admirava BILU. Ele era um mensageiro.

Estava preparando esses “humanos” de origem universal para ajudar a humanidade na transição planetária. Porque ele sabia que só todos juntos seriam capazes de preparar os que ficariam na nova Terra. Só todos juntos poderiam voltar para a casa de Deus.

– Oi, BILU!

– Pessoal do paralelo 19 está feliz com as ervas!

– Eles são inteligentes e dedicados. Aprendem com facilidade.

– Todos estão preparados. Você está preparada?

– BILU, meus pais e meus filhos vão me perder.

– Sei… Um dia todos vão se perder e depois todos vão se reencontrar. Não é assim na Terra?

– É.

– Você vai viajar pra Maniniti. Lá tem harmonia. Tem neutralidade dos sentimentos. Lá é o destino de Mateus.

Depois da transição você poderá voltar. A Terra vai renascer e os seres de luz vão voltar a caminhar por aqui, vão voltar a ensinar à humanidade o amor. Você é ser de luz!

Ela deixou uma lágrima correr.

– Maria Isabel precisa conversar com Dona Olívia. Ela sabe.

– Vou conversar.

– BILU vai dar presente pra você.

– Onde está?

– Na sua mão!

Ela sentiu algo lhe tocar as mãos e viu uma concha do mar.

– Que lindo, BILU! Tem cheiro de mar!

– Com essa concha falar com Terra.

– Obrigada!

– Que você vai dar pra BILU?

Ela pensou e tirou a aliança de casamento.

– Não vou precisar disso em Maniniti, mas é o símbolo do meu amor por Aparício.

– BILU está feliz. Mas pode ficar com anel.

– Você é lindo!

Uma luz se fez e ele sumiu.

Ela voltou para o laboratório e cumpriu a sua rotina diária.

À noite, enquanto todos assistiam à televisão, ela foi até a casa de Dona Olívia.

Ela já estava pronta pra dormir, mas abriu a porta surpresa.

– O que deu em você, Maria Isabel?

– Preciso conversar.

A senhora abriu a porta, segurou as mãos dela e as duas se sentaram.

– O que é que está se passando com esse coraçãozinho?

Ela respirou fundo e começou:

– É que desde que sou pequena lhe vejo rezando, falando sozinha, vendo sacis e seres da floresta. Confio plenamente nas suas orações e nas suas rezas pra curar os males do espírito. Me lembro de quando eu ficava doente, com aquelas viroses da infância, a senhora pegava um galho de arruda e me benzia. A planta murchava e eu ficava boa mais depressa…

– Aprendi com a minha mãe e ela aprendeu com a minha avó a ver e a conversar com os espíritos.

– Isso lhe dá essa paz, essa calma, essa resignação pra viver o seu destino, não é?

– É. Quando penso que tudo está indo no caminho errado, os espíritos me mostram que é esse mesmo o caminho que devo seguir.

– Eu estou preocupada e…

– Eu sei. Eu sinto uma pulsação diferente em toda a sua volta. Sinto uma aceleração. Desde que o Mateus nasceu existe uma energia diferente aqui na Fazenda. Ela vem daquela gruta abandonada.

Maria Isabel sorriu.

– E o que a senhora imagina que tem lá?

Ela fechou os olhos e pensou.

– Lá é o caminho entre o céu e a Terra.

O coração de Maria Isabel disparou. Dona Olívia continuou:

– Lá vive o sábio que o Mateus vê. Lá está o seu destino e da sua nova família.

Ela começou a chorar. Dona Olívia limpou as suas lágrimas.

– Filha, você se apaixonou por um homem que não existe. Eu sinto como se ele fosse um espírito enviado pra abrir o seu coração. Faça o que o seu coração mandar. Sua mãe, seu pai e eu cuidaremos bem do João Victor.

Ela não conseguia mais parar de chorar.

– Você sempre foi diferente. Desde pequena. Você não se lembra, nem seu pai gosta que a gente fale, mas você era sonâmbula e vira e mexe a gente te encontrava dormindo no jardim. Quando a gente te perguntava o que tinha acontecido, você falava em fadas e anjos que vinham te buscar pra passear. Chegou a hora de você ir com o seu anjo. Ele veio te buscar de verdade.

Ela ficou parada pensando por um tempo e respondeu:

– Sabia que podia confiar na senhora.

Ela abraçou Dona Olívia e soluçou. Quando se acalmou conseguiu falar.

– Não sei quando será o dia de ir.

– Quando chegar o dia, vá! Não precisa se despedir. Eu saberei que vocês estarão bem com os anjos iluminados. E a sua família irá se acostumar. Eles viverão a vida deles seguindo a rotina e o destino deles aqui na Terra.

Ela abraçou Dona Olívia e beijou o seu rosto.

– Então eu já vou dormir. Obrigada mais uma vez.

– Sempre que precisar estarei aqui. Se você encontrar aquele serzinho apressado mande notícias.

Ela sorriu. Sabia que ela estava falando do BILU.

Maria Isabel entrou e a casa já estava apagada. Quando chegou ao quarto encontrou Aparício acordado esperando.

Ela se sentou ao lado dele na cama.

– Me abraça!

Ele a abraçou apertado.

– Você andou chorando…

– É. Estava conversando com Dona Olívia. Ela é sempre tão amorosa e compreensiva.

– Ela é o equilíbrio da sua família.

– Verdade! Mas agora estou bem. Pode avisar a Merfam87 que estou preparada pra ir.

– Eu sei. Eu senti quando te vi entrar.

– Vamos falar com ele amanhã e a gente se prepara.

– Combinado.

Eles se abraçaram mais uma vez e acabaram dormindo.

 

Capítulo 24

 

Era uma noite fria.

Maria Isabel acordou angustiada.

Aparício percebeu.

– O que foi?

Ela não respondeu e foi até o quarto do filho.

Mateus dormia bem.

Ela foi até o quarto do João Victor e ele também dormia.

Tudo parecia em paz.

Ela voltou para o seu quarto e Aparício estava de pé.

– O que foi Maria Isabel?

Ela colocou o cabelo pra trás e se sentou na cama.

Depois se levantou, foi até a janela e olhou as estrelas.

Não havia nada.

Ela se sentou de novo.

Aparício a abraçou e perguntou outra vez.

– O que está acontecendo?

– Não sei! Acho que tive um sonho. Sonhei que o Mestre veio buscar Mateus e ele foi levado pra Maniniti.

Ele a beijou suavemente no rosto.

– Eu já te expliquei, Maria Isabel. Mateus nasceu para ser um grande líder! Ele é inteligente, afetuoso e paciente!

Será um sábio! Merfam87 sonha em prepará-lo para que ele possa se quiser ser um dos Mestres de Maniniti.

– Sinto que está chegando a hora de irmos.

Ele a abraçou apertado.

– Quando chegar a hora nós iremos.

O olhar dela se perdeu.

– O que será que os meus pais vão pensar?

– Eles vão pensar que nós morremos.

– Você acredita que vai dar certo?

– Claro!

– E quando será isso?

– Eu vou falar com Merfam87 logo depois do café.

Ela se acalmou e lhe deu um abraço e um beijo.

Logo depois Mateus acordou atraído por uma forte luz azulada que iluminou o seu quarto. Ele levantou e seguiu a luz até a gruta. Quando chegou lá encontrou Merfam87 conversando mentalmente com a luz. Ele se aproximou e viu o Mestre envolto pela energia luminosa.

Mateus perguntou:

– O senhor me chamou?

O Mestre, Latum189, já estava muito velhinho. Ele sorriu quando viu o menino.

– Bem-vindo, Mateus. Eu te chamei sim. Eu vim até aqui para te conhecer. Eu já estou perto de fazer a passagem.

– Muito prazer. O senhor é o Mestre de Maniniti, que Merfam87 sempre me fala?

– Sou eu mesmo. Mas em breve outro Mestre estará no meu lugar. E um dia, será a sua vez de ensinar a todo o povo a importância e a força do amor infinito que nos revela a nossa essência divina.

O menino sorriu e os três ficaram conversando.

Maria Isabel acordou incomodada e Aparício sentiu a presença do Mestre.

– É ele, Maria Isabel! O Mestre está aqui na Fazenda!

Ele deve estar na gruta! Eu tenho que ir até lá!

Ela levantou sobressaltada e foi até o quarto do filho menor e voltou apressada.

– Eles estão com Mateus!

Os dois se vestiram e saíram andando o mais rápido que podiam.

Assim que chegaram, encontraram Mateus, Merfam87 e o Mestre envoltos pela luz azulada.

Maria Isabel correu para perto do filho.

– Mateus!

O seu chamado era forte. O menino correu para perto da mãe.

Ela olhou a luz e viu a imagem do Mestre projetada em sua frente.

Uma forte onda de amor envolveu toda a família.

– Ela ficou calma e profundamente encantada com o sentimento que Latum189 transmitia.

Merfam87 expandiu a luz de tanta felicidade que teve ao rever o Mestre.

Aparício foi para perto e abraçou a sua mulher, o filho e falou com ele envolvido pela emoção de vê-lo.

Ele se concentrou e começou a falar:

– Mestre Latum189. Que dádiva poder revê-lo!

Primeiro eu gostaria que me perdoasse pelo transtorno que causei ao não voltar. Eu não julguei que o meu ato isolado pudesse prejudicar tanto o desenvolvimento da população de Maniniti.

O amor que eu e Maria Isabel experimentamos foi tão poderoso que eu não consegui me separar dela.

Latum189 pensou por um tempo e respondeu com a sua voz pausada e cansada.

– Era assim que tinha que ser. Maria Isabel é muito importante para o cosmos. Se vocês não se apaixonassem ela não iria experimentar o amor do Todo.

A sua missão na verdade era levá-la. A minha doença e a pesquisa dela foram o caminho que a confederação galática encontrou para que pudéssemos encontrá-la.

Barum47 ficou extremamente emocionado e aliviado.

Ele estava o tempo todo cumprindo a sua missão.

– Obrigado, Mestre!

Maria Isabel estava mais calma com o filho e com a imensa energia fraternal que os cercava.

Ele respondeu:

– Você entendeu, Maria Isabel, a sua importância na transição planetária?

– Entendi quando BILU me falou do paralelo 19 e me enviou várias pessoas para que elas estudassem e aprendessem a usar as ervas na cura.

– Você é importante na missão da transição da Terra.

Mas você é muito mais na transição de Maniniti. Você foi perdida na época em que os 1440 voltaram pra reconstruir o nosso planeta. Você foi para Orion e depois foi feito um acordo para você vir para a Terra. E, como a maioria dos viajantes do espaço, você densificou e esqueceu a sua origem. Nessa época de transição todos serão importantes, todos estão sendo despertados para a Missão maior. Quando tivermos cumprido a nossa missão todos voltaremos à casa do pai, como Jesus fez de corpo e alma.

Ela sorriu para o Mestre e respondeu:

– Eu sinto tudo isso, mas ainda me assusto com a minha importância e a minha responsabilidade com o Universo.

O Mestre sorriu e olhou pra ela.

– Você possui uma grande carga de amor em seu coração. Acredite nos seus sentimentos. É por esse caminho que você obterá as suas respostas e as suas certezas.

Merfam87 completou após uma pausa.

– Mestre estamos preparados para o retorno. Como isso vai acontecer?

– Eu vim te buscar Merfam87. Você irá comigo.

Aparício completou:

– E nós?

– Vocês continuem as suas vidas com harmonia vibrando no amor divino. Tudo acontecerá naturalmente. Só vocês verão. Só vocês saberão. BILU estará presente.

Aparício abraçou a esposa e o filho.

– Obrigado, Mestre! Até sempre.

– Até a eternidade.

Merfam87 se despediu e se colocou sob a luz do Mestre.

Aparício, Maria Isabel e Mateus se afastaram e esperaram.

Em poucos minutos eles desapareceram e um clarão foi visto no céu.

Maria Isabel e Aparício choraram.

Mateus comentou:

– Lá foram eles pra Maniniti! Um dia nós também iremos, não é mamãe?

– É filho! Um dia!

– Vamos voltar.

Eles caminharam de volta pela Fazenda e voltaram para as suas camas pra dormir um pouco até o dia amanhecer.

 

Capítulo 25

 

A vida na Fazenda continuava a mesma.

Muito trabalho, viagens, comitivas e cantorias.

Maria Isabel passava os dias cuidando do seu laboratório e separando as ervas para ensinar e entregar aos dimensionais do paralelo 19 que estavam indo e voltando de lá.

Era um dia comum e depois do almoço Mateus começou a ficar um pouco mole, se sentia cansado e já apresentava uma febre alta.

Dona Madalena chamou Dona Olívia. Elas lhe deram um anti-térmico e avisaram a filha.

Maria Isabel correu para casa e viu o filho deitado dormindo.

Seu Ambrósio também chegou e comentou:

– É melhor levar esse menino pro Dr. Antônio dar uma olhada.

– Tem razão, pai! A febre não baixa e ele está muito mole.

Aparício chegou correndo.

– O que houve?

– Mateus apareceu com essa febre de repente.

Ele chegou perto do filho e sentiu que uma luz verde estava atuando sobre ele. O menino se comunicou por telepatia com o pai.

– “Estão nos chamando. Temos que ir de avião”.

Seu Ambrósio já se pronunciava:

– Vou mandar preparar o avião. Não estou gostando nada da aparência dele. João Vitor está com a comitiva. Você vai ter que pilotar Maria Isabel!

– Tudo bem, pai! Vou preparar uma mala pra nós três.

Dona Olívia olhou pra Maria Isabel, lhe transmitiu tranquilidade e comentou:

– Eu vou voltar pro meu serviço.

Dona Madalena ficou sentada com o neto enquanto a filha e o genro se aprontavam.

Quando estava tudo pronto, eles se despediram, entraram no avião e partiram.

Estavam no caminho quando uma nuvem escura se formou em frente da aeronave.

– Está chovendo forte no caminho. Vamos ter que voltar.

Eles olharam pra trás e a mesma nuvem escura com raios e trovões tinha se formado em suas costas.

– Não podemos continuar nem voltar. Vamos ter que aterrissar.

Aparício comentou:

– Fique tranquila. Estamos sendo ajudados.

Logo que falou BILU apareceu.

– BILU!

– E agora, BILU?

BILU comentou:

– Agora BILU vai voltar para casa. Missão com Maniniti está completa.

A chuva era intensa, mas ela pode vê-lo perfeitamente.

– Obrigada, BILU!

Ele sorriu e sumiu em meio aos clarões dos raios.

Barum47 abraçou a esposa e o filho que ainda parecia desacordado.

Uma imensa luz dourada os envolveu e eles foram integrados àquela luz e se sentiram sugados em uma enorme velocidade. Em poucos minutos se viram em um templo iluminado onde anciões os recebiam com cumplicidade e fraternidade.

Ela entendeu que estavam em Maniniti.

Mateus estava totalmente curado e Barum47 irradiava uma felicidade jamais vista em seu período terreno.

Maria Isabel enfim havia chegado ao planeta onde continuaria a missão com a qual havia se comprometido há quase quatro mil anos atrás.

O amor, a força e a paz que sentia em seu coração eram tamanhas que não havia como explicar.

Era um estado tão grande de harmonia e felicidade que ela, então, entendeu o que era estar com Deus.

– Maria Isabel aterrise no rio.

Apesar da situação ser crítica, eles estavam tranquilos.

A presença de BILU orientando o que fazer lhe deu a certeza que tudo ficaria bem e que Mateus se recuperaria.

Ela aterrissou no meio do rio sob uma forte chuva de raios e trovões.

 

Capítulo 26

 

O temporal se formou e caiu na Fazenda.

Seu Ambrósio andava de um lado pro outro preocupado.

Dona Madalena pegou o terço e começou a rezar.

O vento estava muito forte e raios e trovões não paravam de assustar os moradores e os animais.

Dona Olívia estava quieta em sua cozinha pensando sozinha quando BILU apareceu.

– BILU!

No início ela se assustou com a voz dele, mas depois se lembrou do recado que havia mandado pra Maria Isabel.

– Ei! Você é aquele pequenino?

– Eu sou BILU. Você está preocupada com o avião.

Dona Olívia coçou a cabeça.

– Eu senti. O avião caiu. Eles não vão mais voltar.

– O avião não caiu. Eles foram com Aparício para onde tinham que ir. Maria Isabel vai voltar, mas depois de alguns anos.

– Eles foram para aquele planeta que o Mateus falava?

– Exatamente.

– Todos vão pensar que eles morreram?

– É assim que tem que ser. Só você sabe a verdade.

– Não vai adiantar falar pra ninguém. É melhor deixar como está.

– Um dia. Quando Terra evoluir. Ela virá ajudar a nova Terra. Você verá.

– Obrigada por ter vindo me avisar.

– BILU vai ajudar os que falam com o coração.

– Eu vou saber ajudar essa família. Vou rezar por eles.

– BILU tem que ir!

Logo apareceu a luz e ele se foi.

E assim foi.

Na manhã seguinte após várias tentativas de comunicação em vão, encontraram partes do avião no rio.

Seu Ambrósio mobilizou a Polícia, os Bombeiros, a Marinha e o Exército, mas nenhum corpo foi encontrado.

Após quinze dias de buscas eles foram considerados mortos.

João Victor chegou com a comitiva o mais rápido que pode, pois a notícia já havia chegado à capital.

A família ficou triste.

Foi realizado um enterro simbólico com Missa e orações.

No final de alguns meses eles já tinham voltado à sua rotina.

E a vida seguia com saudades, mas como devia ser.

Em Maniniti…

Maria Isabel aprendia cada dia mais. Desenvolveu a habilidade da telepatia e muitas outras com muita facilidade, principalmente a da cura.

Ela, como todos, trabalhava em todas as áreas e também nas suas pesquisas.

Mateus frequentava a escola junto com as outras crianças e se relacionava com a mãe e o pai, naturalmente, como todos os outros.

Barum47 mantinha as suas atividades.

Ele e Maria Isabel viviam totalmente integrados nas comunidades e no modo de vida de Maniniti.

O amor que sentiam um pelo outro se mantinha, mas não tinha o peso da Terra. Era leve e divertido.

Quanto mais ela aprendia, mais queria aprender.

Às vezes, sentia um pouco de saudades do seu filho.

Quando isso acontecia, ela usava a concha e se comunicava com ele através dos sonhos e percebia que ele estava bem, levando a sua vida, namorando, trabalhando e dando alegria aos seus avós.

O mesmo acontecia com Dona Olívia que sabia que eles estavam bem e só confirmava o que BILU havia lhe dito.

Seu Ambrósio e Dona Madalena não abriam nenhum canal e com eles era impossível a comunicação.

Maria Isabel se acostumou a viver em harmonia com o amor divino.

Com o tempo já não precisava saber tanto sobre a Terra.

Ela acessou a sua memória cósmica e descobriu as suas vidas por tantos outros planetas.

Acessou também a transição da Terra e entendeu e agradeceu por sido encontrada e levada para Maniniti.

Durante todos esses milênios viajando pelo espaço, tinha adquirido débitos e muitos créditos e não havia necessidade de repetir um ciclo que já havia acontecido. Ela merecia ser poupada, mas teve o livre arbítrio.

A sua escolha foi pela luz e pelo amor.

Ela primeiro seguiu o caminho do coração e depois encontrou as suas respostas.

 

FIM

 

Este livro foi impresso na cidade de São Paulo/SP, em maio de 2012. A família tipográfica utilizada na composição do texto foi Sabon LT Std 11. O projeto gráfico – miolo e capa foi feito pela Editora Nelpa.

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